FESTA NA MATRIZ.
24/JUN/1988
É a festa do lucigênito eremita e padroeiro,
Da antiga freguesia de S. João Batista.
É o dia de S. João o filho de Isabel,
O santo monista, judeu e mensageiro,
Que entregou ao promíscuo rei cruel,
A sua cabeça santa e essênia à espada,
Num pedido louco, decaído de Salomé.
Muito agnóstica ignorante e desvairada.
Testando-lhe a determinação e a sua fé.
Têm muitos foguetes, corpos e danças,
Quentão doce, rezas, cantorias e mané-pança.
Mas, nada tem haver com o martírio.
Rapadura, pinhão, pecado e busca-pé,
Que lembram as orgias da lúbrica Salomé.
Com pagodes, fogueiras, risadas e cirandas,
De muitas meninas e senhoras que fodem.
Têm maridos crentes que perdem a fama.
É mais folclore do que eclesiástica fé
Do Vaticano, das encíclicas e dogmas até.
Para os negros, mestiços e místicos açorianos,
Trazidos da Laguna com a força da maré,
Pra fazer essa exótica e primitiva procissão,
De carro, velocípede e andando mesmo a pé.
Com foguetes de varetas, ladainhas e foguetão.
Tem fogo de meninas e mulheres fogueteiras,
Que fogem com tesão pras chácaras durante a procissão.
Fazer amor ligeiro e incesto de primas em vulcão.
Nas folhas frias e lisas pelo sereno nas bananeiras,
Incubam às pressas, sem gozo, um menino chorão.
Feito sem jeito, sem amor, na hora fatal e derradeira.
Isso tudo acontece e muito mais no silêncio,
Da noite agonizante escandalizada do essênio João.
À noite, dizem os velhos, é a maior do ano.
Sabem disso as levianas e fúteis raparigas.
Com as nádegas na palha e a calça nas pernas o gozo é melhor.
A exaurirem-se com a noite, nuas só e arrependidas,
Do pecado, do prazer mal sentido que as oprimem,
Chorando pelo açoite sem sorte, desiludidas,
Da grande ilusão penetrada nos hímens.
O que adiantou ao crente pregar de João?
E agora o que é que eu faço?
A procissão é uma demonstração motorizada,
De velocípede e automóvel, a vinte por hora.
Na verdade, eram oito ou nove, mais o meu.
Em meio ao rojão caramuru, um desrespeito,
À fome, à santa subnutrição, à falta de fé, um jeito,
Sem saber em buscar um céu duvidoso e impossível.
Explodindo no ar a mal assimilada doutrina de João.
Vê-se gente nas varandas espiando encolhidas e jururus.
Respeitosamente introjetadas e embrulhadas em cobertores.
Pra ver passar a desértica e a pouca fé da caravana.
De carro pisca alerta piscando nos estertores.
Outros buzinando, enguiçando e os fiéis empurrando.
Sem a cobertura devida da convicção, correndo...
Atrás do João o essênio, feito o João pagodeiro.
Que de vez em quando levava um grande susto.
Do foguete, da correria atrás dele. Que horror!
Era um velhinho sem chapéu e já capenga,
Levando às costas o enfeitado e pesado andor.
Assustava-se com o pipocar sem razão dos foguetes,
Balançando João primo de Jesus, o nazareno Senhor.
Eráclito Alírio