TARDES PERFUMADAS DE VOCÊ...
“Porque é sempre assim... De repente, uma música, uma palavra, um fim de tarde e a saudade invade, toma conta de mim....” Li essa linda frase e, imediatamente, me lembrei de um fim de tarde especial para mim, dentre os muitos finais de tarde que já foram especiais em minha vida. Talvez, para a maioria, os fins de tardes sejam todos iguais, pois devido à pressa para se chegar ao domicílio, e descansar de um dia fadigoso de trabalho, se perca o lado mais devaneador da vida. Eu não.

Eu, para falar a verdade, sempre encontro tempo para observar a natureza que se descortina ao longe, em forma de um Sol que se despede do dia e vai banhar, com seus raios dourados, quem também está a devanear do outro lado do mundo ou, então, admirar o bando de pequenos pássaros que fazem revoadas em torno das árvores à procura de um lugar para passar a noite, protegidos dos seus predadores. Nos dois eventos, a beleza é indescritível!

No caso do Sol, quando ele vai, aos poucos, fazendo a curva lá no horizonte – como a querer nos dizer que está a se despedir –, talvez o seu sinal mais forte sejam as cores que ele lança, como a nos lembrar que não devemos tirar os olhos dos rasgos avermelhados nas águas do mar; ou mesmo, que seja o olhar que damos para ver um pouco dele sumindo por detrás da colina, ou da serra que já ouvimos falar, mas que ainda não conhecemos, e até, por trás da cumeeira da casinha situada no chapadão da caatinga.

Da mesma forma, assistir aos voos rasantes da passarinhada em círculos cada vez mais fechados, muitos, em torno de uma árvore escolhida, acompanhados de seus linguajares, cada vez mais frenéticos, como a dizer, numa velocidade espantosa: “aqui é o meu lugar por essa noite”; “Por favor, coloque-se à esquerda do meu voo para não me atrapalhar”; “Quer me dar a honra de sua companhia, neste crepúsculo de hoje?”, é admirar um espetáculo que se repete todos os dias, mas que não perde o brilho nem o encanto, por mais que nós o observemos diariamente.

Assim, para mim, os fins de tarde têm um significado especial. Eles são provas de que o ritmo agitado de um dia pode, com o cair da tarde, ser compensado com a desaceleração do nosso cotidiano. É fácil. Basta apenas tirarmos a armadura da selva de pedra e pormos a camiseta, a bermuda e os chinelos da descontração do campo de outrora.

E, podem acreditar, vale a pena.

Por isso, nos finais de tarde, eu também ligo o rádio do meu coração, escuto as frases de amor que ele me passa, refaço, em seguida, as palavras que eu mais adoro e componho versos oferecendo a quem mais amo.

Ah! Ia me esquecendo, os finais de tarde também são fontes de doces recordações, a maioria delas, voltadas para a saudade de alguém. Quem já não olhou para um lusco-fusco e, de repente, num suspiro, lembrou-se de um amor do passado? Quem já não olhou para as nuvens de um final de tarde e se encantou com os desenhos, ora avermelhados por um sol que se escondeu por detrás de seu manto; ora, por agasalhar, em suas brumas, as águas de uma chuva abençoada que, com certeza, cairá para molhar o chão de terra castigado pela seca, mas que, em caindo, fertilizará a semente plantada pela coragem e fé do povo sertanejo do nosso torrão natal?

O momento, em si, favorece o pensar.

Comigo, como já disse, não é diferente. Os finais de tarde também servem para recordar, principalmente, as passagens que só os meus arquivos contêm, independente de serem – ou não – rastreados, invadidos e/ou copiados.

Lembro-me, então, de uma tarde em que, devaneando, eu me vi acompanhado por uma linda fêmea. Eu e ela saímos a passear. No percurso que fazíamos, naquele momento, o palco montado pela natureza colaborava para cenas que ficariam gravadas para sempre em minhas saudades. A nossa frente, o deserto branco que a natureza, caprichosamente, desenhara. Ela, na sua infinita sabedoria, transformara o líquido da vida, em pedras preciosas. Atrás, o Sol, como a dizer que o véu da noite estava para chegar, começava a colorir o caminho com uma mistura da cor de ouro com o preto do petróleo, atapetando toda a direção que percorríamos. De repente, eu vi, lá ao longe, frondosas árvores. Encaminhamo-nos para lá. A sombra quase escura de suas copas contrastava com a nitidez ainda presente de seus troncos enfileirados à beira da estrada. Olhamo-nos. Como num passe de mágica, os nossos sorrisos se completaram e um apaixonado beijo nós trocamos. Hoje, a saudade me faz companhia, mas, naquela tarde, a companhia daquela dama era o desejo presente que nunca se imaginaria que um dia viraria saudade...

Virou. Ela partiu em sua nave e hoje cintila na mais nova Constelação do Universo: a Constelação das Musas.

Como não se lembrar de você? A música que toca sempre me faz recordar que você gosta de cantar; que a natureza também é a sua amiga, registrada, sempre, em seu olhar de perspicácia e amizade; que a imagem que me faz devanear é sempre completada pelas inúmeras outras imagens enviadas para as minhas lembranças.

Enfim, os meus finais de tarde sempre vêm acompanhados de deliciosas e convidativas esperanças de um dia ainda nos encontrarmos fora da minha (nossa) imaginação...




Obs. Imagem da internet


 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 21/08/2011
Reeditado em 17/09/2014
Código do texto: T3173035
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.