Momento Mórbido

Eu não sei aonde foram parar os meus olhos cintilantes. Talvez se abismaram em lugares lúgubres que tenho vergonha de comentar, porque outrora eu era feliz e as pessoas viam em mim "a alegria em pessoa" criticavam minha falta de preocupação infantil. Hoje consigo ser um palhaço mascarado e não sei aonde foi parar a minha real face. Talvez se abismou na solidão abstrata dos sorrisos céticos e dissimulados que dou a todos que me cercam já que não amam a minha pungência depressiva, engano-as para tentar ser aceito, afinal o real é incômodo. Então, não acredite em meus sorrisos. Olhe bem para o fundo desses olhos baços e sinta você mesmo a dor da minha alma, algo que não é expresso com palavras.

Montanhas e montanhas de luzes vejo ao longe, sim, mas, elas não chegam em mim. Todos querem me ver vitorioso, porem não me sinto assim e não sinto que eles sejam amigos por desejarem a minha vitória já que não dão seus ombros para eu prantear e nem os braços para me ajudar com este fardo. Sinto-me mais um no meio da multidão jogado à beira da estrada, um mendigo em qualquer viaduto esmolando um pão seco. E, quando falo que a minha miséria é íntima, colosso, ímpar... julgam-me como fizeram a Madalena. Onde estão os braços que me seguravam? É o que pergunto, mas eu não vejo sequer uma mão amiga na beira do abismo e entre a bruma que ofusca o brilho do otimismo, este que é tido somente por quem tem esperança.

Na escuridão desta noite que não esfria e não esquenta procuro um amigo no pensamento... Aonde eles foram? Porque não vejo nenhum como imaginei ter, por pura ingenuidade, em minha mocidade; não vejo sorrisos verdadeiros ou sinto amplexos ternos, calientes... daqueles que ficam guardados em nossa mente para o resto da vida como aquele inesquecível abraço que a minha traidora me deu depois de quatro dias de ausência (neste tempo ela não era). E as mulheres que me beijam não passam de hipócritas querendo o meu corpo e o prazer que eu posso lhes proporcionar, porque sou bom, dizendo que estão querendo "fazer amor", palavra típica para quem quer ter um orgasmo gostoso sem se sentir um animal no cio.

Aí não vejo sentido em minha vida! Por isso não tenho um rumo já que meu prumo se perdeu na perfídia, plangência e desesperança. Não sinto que devo me amar como achava que me amava em minha adolescência, típico pensamento melancólico, mas não de não auto-piedade ou miserando. Então, o que adiantará me dizerem que tenho que lutar pelo meu sangue se o meu coração está lacerado e não tem lugar nem para mim? As armas seriam outras a serem usadas; e como a insensibilidade toma conta de todos não há um gênio caridoso sequer que saiba das minhas necessidades.

E no abismo de nossos mundos você me julga como se eu fosse a pedra de tropeço e eu lhe julgo como se você fosse o estúpido insensível? Ora nós sabemos, lá no fundo de nossos corações, que somos fracos por não conseguir nos entender, aceitar as diferenças, fazer o bem, o que é certo e nos doar como almejamos que se doem para nós. Lá no fundo temos algo em comum: a tolice, o medo e o desamor.

É que a Felicidade passa ao longe sorrindo para todos, esquivando-se, cheia de enigmas e arcanos, quando me vê, vira-se de costas, sorri com certo escárnio como todo homem feliz que não tem preocupações e sensibilidade e finge que não viu.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 10/08/2011
Reeditado em 26/09/2011
Código do texto: T3152632
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