Vida às avessas
Vivemos às avessas, tudo ao contrário, de ponta-cabeça, de trás pra frente, com prioridades invertidas, esperando demais aquilo que possivelmente já temos.
Se eu quero alguém que me faça feliz, eu preciso primeiro tornar-me feliz para então encontrar a tal pessoa... Me faz lembrar a frase de Mário de Andrade: “O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venha até você.”
Às vezes passamos o maior tempo procurando o amor da nossa vida, e ele estava lá, o tempo todo debaixo do nosso nariz. Mas por olhar demais pra fora, não olhamos pra gente mesmo e não vemos em nós o reflexo da pessoa amada.
Se estamos felizes, facilmente encontraremos alguém pra compartilhar dessa felicidade. Mas se estamos infelizes, dificilmente alguém vai querer dividir nossa infelicidade. É porque nós próprios precisamos vencer a nossa infelicidade, ninguém mais.
Também não adianta querer fugir de uma situação ou de um lugar. Se a gente não resolve o problema primeiro, antes de mudar, ele vai junto. Porque só nos afeta o que está em nós. Não adianta querer mudar o ambiente, as circunstâncias, se o nosso interior é o mesmo. Continuaremos sentindo a mesma insatisfação de sempre.
O pior exemplo de todos (ou o mais exato) é em relação à pessoa amada. Aprendi a duras penas que só temos de verdade a quem amamos quando não precisamos dela. O amor, ou a pessoa amada, não pode ser o centro da nossa vida, o foco de todas as nossas atenções e pensamentos. A dependência estraga tudo.
É preciso ter mais coisas pra pensar e pra sentir. Isso não é falta de amor; isso realça o amor. É como a pitada de sal em um prato doce. Se nos esbaldarmos com o mel do amor, acabamos por enjoar. É fatal: ou nós enjoamos ou a pessoa amada.
É assim com tudo na vida. Precisamos ter círculos de amizade variados e diferentes objetivos de vida e ocupações: trabalho, família, amigos, filosofia de vida, prazeres, amores, nós próprios. Precisamos fazer coisas diferentes. E não esperar demais da vida. Ou seja, não esperar para ser feliz.
Como disse André Comte-Sponville, “trata-se de viver no presente, trata-se de parar de se ludibriar, parar de fugir, parar de esperar, trata-se de aprender a viver de verdade em vez de esperar viver.” Expectativa em excesso gera decepção. E tranquilidade demais causa estagnação. É preciso equilibrar nosso coração com confiança e gratidão, e viver! Viver muito! Porque a felicidade está na travessia, em viver, e não num futuro distante.
(Catalão, 11/06/2011)