O duelo da personagem com o narrador

“Como é bom sentir-se triste”, pensou alto a jovem personagem sem trama, que se achava miserável mas morava bem em outras estórias e, às vezes, tinha tudo do bom e do melhor. Dizia aquilo só para provocar o narrador.

“Não é bem assim”, respondeu o narrador, quase sem querer.

Ao que ela respondeu “é porque digo de coração e você sempre duvida de mim. Eu já senti algumas destas sensações próprias a qualquer ser criado que sabe ser humano. Alegria, felicidade, êxtase, comoção, rebeldia, raiva, ódio, indiferença, dor, solidão, abandono, revolta, vazio e mais, e mais; apesar da pouca idade nunca soube ser precoce, preferi esquecer tua presença narradora, sempre me auscultando e julgando e pesando meu peso de personagem, principal coadjuvante de tua galeria do terror de bonecos de papel por alguns minutos de páginas nada mais. Posso te afirmar no devaneio revolto do momento liberto que sei o que é ser triste. Não sou sempre, mas quando sou, admiro a carga de emoções que acho nobres no sentido de completas, que não necessitam de complemento algum, pois por si só o estado de tristeza é puro e perfeito. Pode trazer, em ínfimos porém infinitos instantes, que duram no espaço entre duas lágrimas, arrependimento, tranqüilidade, equilíbrio, razão, podendo então trazer felicidade...”

É um paradoxo a se guardar sob o mais suado travesseiro, precoce e já gasto, pelos anos de reflexão, pensei. Definitivamente, era chegada a hora de abandonar tais personagens soturnos, que se amotinavam sem mais nem menos e desafiavam minha autoridade narradora, otimista por natureza.

Jair Guerra
Enviado por Jair Guerra em 04/08/2011
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