Conversando com meu espírito

Nesta vida, só o que recebi de presente foi esta vestimenta carnal.

Ela não é bonita e nem poderia em razão do estilo de vida que levo.

As vezes me pergunto, porque minha vida tem que ser assim,

rolo nas ruas, não tenho um canto para cair morto, sinto fome, sou sujo, fedorento, não tenho estudo, não tenho família, vivo igual a um cão sarnento, que nem o mendigo de rua quer por companhia.

Reflito.

Onde está a justiça divina se, logo ali, ao lado existem tantos que tem tudo e não se comovem com o meu sofrimento e de tantos outros, iguais a mim.

Reflito.

Quem sabe já fui assim,

Quem sabe eu passei ao largo deles, como eles hoje, passam ao largo de mim.

Cumpro a minha sina.

E assim é,

para qualquer outro que desconsiderar que a gente nasce para recuperar o tempo que foi perdido antes

com a dor é que se aprende.

Mas,

Que justiça é esta se as memórias que tenho da outra vida não permitem que eu compreenda a que hoje vivo

Sou desprovido de tudo, sequer "um pinto" para dar água tenho

choro e sofro

e não me conformo

Que pai é este que ensina com dor

Que filho sou eu, que diante da represália ao fechar os olhos nada recordo

Eu tenho pena de mim

e me sofro

Quase nunca tenho o que comer

mas quando tenho..

que banquete

aquele pão adormecido,

a banana amolecida

e as sobras de alguém,

encontradas em um lixo qualquer

quanta fartura tive...

e por ter em abundância, muito eu disperdicei

meus cães não comiam o que eu não comia, porque naquela outra vida, meus cães não comiam os restos ou lixo

que hoje eu como

E o frio que passo

sempre adorei uma grife

etiqueta para mim era tudo

hoje qualquer coisa a mais que meus pelos e pele causam-me uma alegria infindável, naquelas noites, especialmente, em que o gelo congela até minha vaidade

Será que eu mereço...

E a casa onde morei

tinha espaço para cinquenta famílias,

um salão próprio para festas, bailes, comemorações

hoje sequer uma casa de papelão eu tenho,

até mesmo o espaço das favelas e das casas montadas de papelão já tem donos

Eu mereço..

as vezes quando estou sofrendo muito

Eu tenho pena de mim

mas logo eu me aconchego com um sentimento que me invade,

uma lembrança de algo que não consigo definir,

Na outra vida, tive pai, mãe, irmãos e amigos

Pouco valor dei a eles, se dei, tampouco foi, que pouco ou nada sentiram

uma vida distante,

de isolamento afetivo,

porque a mim mais valia o eu

e o meu umbigo era o centro do mundo

hoje tenho meu cão

sarnento com eu

Uma vida longa

vivi naquela, quase noventa anos

um aprendizado que não asimilei

por isso retornei,

para ser reensinado..

Na proxima vida

quando eu for tomado de um aconchego, de um lembrança

certamente saberei que o momento é de valorizar e de compartilhar

Na medida do possível

cada um de nós,

pode dar ao outro

um pouco

do que quer pra si

certamente..

Refleti

eu mereço

Rara orquidia negra
Enviado por Rara orquidia negra em 03/08/2011
Reeditado em 04/08/2011
Código do texto: T3136945
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