Antropofagia

As mãos grandes

grudaram na vitrina

unhas fungentas

depósito de imundices

dedos finos

sujos

olho vidrado

barba empapada

cabelo comprido

rosto envelhecido

o homem

olha para aqueles olhos

do outro lado do vidro

e não os reconhece

perdeu-se no tempo

que se esvaiu

sem que ele soubesse

ou percebesse

parece que foi ontem,

saiu de casa menino

menos de doze anos

muitos irmãos

mãe prostituída

pai marginal

e assim tornou-se

também marginal

poucas e boas passou nas ruas

gritavam

menino

menino de rua

ele dormia com um olho apenas

cansou de apanhar

ser abusado

ser desprezado

ignorado

esqueceu-se que existia

ou nunca existiu

a fome fê-lo esquecer do tempo

e o tempo tornou-se sobreviver ao outro dia

sol e lua

noite e dia

passa

passa tempo passante

pro menino

que nunca se tornou homem

ao menos não percebeu

de menino

a mendigo

percebe agora

na sua face

refletida na vitrine

face que não reconhece

face de um velho

e acaso..

pensou

menino de rua envelhece?

sorriu

pela ironia de sua desgraça

era ele mesmo

e ele mesmo não se reconheceu

Rara orquidia negra
Enviado por Rara orquidia negra em 01/08/2011
Código do texto: T3133114
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