[Trajetória de um poema: "Porto Estrangeiro"]

Um velho sempre se póe a repetir suas histórias, até mesmo sem saber se quem está perto as quer ouvir...

Para essa repetição inútil, a internet é perfeita: funciona como um bar adentrado por um vagamundo que se põe a falar como quem joga pedras no oceano... É claro: nunca o mar responde, nunca o mar devolve sequer um lamento... apenas traga as pedras e segue na algaravia sem fim das suas ondas!

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Um nunca sabe por que escreve, por que narra certas coisas... apenas para confirmar que a regressão é sempre errada, errosa? É, mas também não é... não há resposta cabal!

Há uma violência no ato de escrever, um atrevimento, uma loucura, uma besteira... ninguém me pediu que escrevesse, ninguém me paga para que eu escreva — meus escritos têm a mesma fenomenologia da baba do boi carreiro que, finda a dura jornada, apenas aguarda a descanga: surge na lenta mascação e escorre, cai na poeira do curral, sem compromisso com nada, sem dever nada a ninguém...

Eu sou aquele que faz perguntas e dá as costas para qualquer possibilidade de resposta - não estou interessado em respostas...

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Dentre as anotações do original do meu antigo “Caderno 1”, lê-se:

AENAS

Após um longo tempo,

a sua figura contra o azul

da tarde desfeita em saudades,

voltou-me, clara, enorme,

avassaladora dos homens-insetos.

Perpassou novamente pela minha visão

inquiridora em terras estranhas

a silhueta gigantesca do navio russo Aenas.

Teria esse nome algum significado

usual das coisas marinhas?

Não sei;

e nem quero saber,

pois temo que a tradução

destrua em minha mente

o sentir poético daquela tarde

No Porto de Albany, NY [circa 1982].

revisitado em [29/01/99]

E poema foi escrito assim:

[Porto Estrangeiro]

[No Porto de Albany, NY]

O vento frio encrespava

as águas do rio Hudson

ainda cheias de flocos de gelo.

Nas margens, a lavoura de arroz

que um louco estrangeiro plantou

era apenas uma lembrança amarga

das vazantes do meu Rio Paranaíba.

No porto de Albany,

vejo a silhueta do Aenas,

um gigantesco navio russo — Aenas,

um belo e sonoro nome — eu pensei!

Mas não me diz nada,

e nem quero saber do sentido!

Agora, a minha dor nomeia o mundo:

"Aenas" fica sendo "distância",

distância da pátria,

distância de tudo que eu amo,

distância de mim, da minha vocação!

O Aenas vai partir,

e eu vou ficar aqui, neste porto gelado,

do lado errado da fronteira!

O Aenas vai partir,

e eu vou ficar aqui,

estudando para ser doutor

daquilo que eu não gosto mais!

O Aenas vai partir,

e eu vou ficar aqui,

riscando marcas indeléveis

nas paredes invisíveis que me cercam.

O Aenas vai partir,

e eu vou ficar aqui,

com a certeza absoluta

de ter errado a laçada.

O Aenas vai partir,

[que inveja dos marinheiros!]

e eu vou ficar aqui,

morrendo um pouco mais,

de tanta distância inútil,

de tanta dor vazia...

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[Albany, NY, 1982]

[Penas do Desterro, 29 de janeiro de 1999]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 31/07/2011
Reeditado em 01/08/2011
Código do texto: T3130610
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