STATUS QUO
Vi um homem num casulo
feito de cobertores rotos
deitado na rua
mais precisamente na calçada
a noite foi gélida
e ele se protegeu como pode
trapos fétidos
panos velhos
pulguentos
deixados ali
por alguma alma
caridosa
enfileiram-se
empilham-se
os desprovidos
tentando aquecer-se uns com os outros
no pavilhão sem teto
da noite
o vento trinca a pele
fazendo,
no corpo,
fendas sanguinolentas
a umidade resseca o grito
o frio endurece o coração,
menos para o cão,
que é tratado como gente
e as gentes
apressadas
de manhã olham para eles
resmungam,
vagabundos,
dormem
quando todos trabalham
sujam nossas ruas
urinam
evacuam
emporcalham tudo
trancam nosso caminho
e quando acordam
é só para pedir esmolas
e o homem no casulo,
dorme,
à noite foi longa
sonha
a mãe alisava o ventre
e com ele conversava docemente,
fazia promessas
enquanto ouvia os resmungos do menino
em forma de chutes
quero vida
quero liberdade
quero igualdade
quero oportunidade
quero a expectativa
a mãe dizia
aqui fora,
você vai ser um príncipe,
vai ver lindos jardins,
em lindas casas
menino
menino
vai ler sozinho as estórias que te conto
teu futuro vai ser repleto de alegrias
tudo será fartura,
encantamento
vai acordar com o canto dos pássaros
e adormecer olhando o céu estrelado
e admirá-lo
como se fosse só teu
nasceu
o menino
e descobriu...
a casa era alheia
assim como os
jardins e a fartura
os livros de estórias ficaram distantes
nunca os viu
nada teve além do canto dos pássaros
e do céu
que é só seu
as promessas,
também eram sonhos da mãe,
que foi mais uma,
na cadeia alimentar
antropofágica
o pai,
nem sabe se existiu
e assim seguiu,
querendo
a cada novo dia
a igualdade prometida
e isso acontece
à noite
quando volta para o ventre
quando se encapsula,
no seu cobertor roto
e vira o homem num casulo
então pode tudo
até mesmo ser um igual
as gentes