Alucinações

Andando pela rua em um dia de domingo, ensolarado por sinal, me deparo com nuvens e a escuridão se forma.

Pessoas correm.

E muito embora o caos e a tragédia tomem conta do lugar, não faço absolutamente nada, apenas caminho em direção a meu destino, como um boi andando em direção a um moedor de carne.

De repente, abrem um hidrante e no lugar de água, o que saia dele era um líquido azul esverdeado brilhante.

Estranho líquido – Pensei.

Bebi.

E numa fração de segundos, vejo as pessoas me olhando ao redor, como se eu fosse diferente de todos por ter me aventurado em tal líquido. Correram de mim, me olhavam e viravam o rosto, e pude sentir que eu controlava a todas as coisas ao meu redor.

Me senti Deus.

Apesar de poder controlar tudo a minha volta, nada fiz. Deixei o caos se perpetuar e se propagar por entre o povo.

Pessoas pulavam de prédios e andavam em carros velozes, desprezando todo e qualquer obstáculo a sua frente. Agiam como animais encurralados prestes a beijar a face da morte e vestir seu manto.

Ao meu lado, surgiu uma velha senhora que me disse:

“Tens muito poder jovem rapaz... Depois de tudo isto, tu nunca mais serás o mesmo”

E sumiu por entre a multidão de pessoas que corriam.

O dia fechou, as cores de tudo foram reduzidas ao preto e o branco e alguns tons de cinza

No meio de todo o conflito e toda a confusão me deparei com uma questão:

“Eu sou o mal, ou ele está em todos?”

E quando vi um homem negar ajuda ao outro e ser morto por isso, cheguei a minha constatação.

Somos podres.

Pessoas se ajoelhavam em minha frente reconhecendo todo o poder que tinha e me imploravam por suas vidas, disseram que fariam de mim um rei, que teria tudo aquilo que quisesse.

Neguei.

E como um comboio de almas perdidas e de corpos desvalidos, partiram em busca de sua salvação.

Uns foram a igreja,

Outros foram as ruas.

Vendo o desespero estampado na cara de todos que corriam, levanto as mãos e todos se calam, a paisagem perde o som.

Já não se ouvem mais os gritos e os barulhos infernais das sirenes.

Apenas a minha voz...

Fiz meu discurso moral enquanto todos me olhavam, embasbacados, como se nada mais houvesse a não ser eu

Terminei com a seguinte frase:

“Todos vocês são porcos. Se Jesus voltasse a terra novamente, vocês iriam crucificá-lo outra vez. Parem de olhar sempre para si mesmos e olhem ao seu redor. Tudo isto que agora acontece é culpa de vocês.”

Espantaram-se.

Jamais acharam que eu fosse capaz de me rebaixar a falar com alguém inferior, ou melhor, que alguém tão superior fosse lhes dirigir a palavra.

Vejo a velha senhora novamente e com a paisagem totalmente parada pelo espanto do povo, e também por alguma falha no espaço-tempo, a água que jorrava do hidrante permaneceu imóvel, apenas a velha senhora se mexia e vinha em minha direção.

Com o seu olhar eu vi as guerras, as mortes, a destruição enquanto ela vinha calmamente falar comigo.

Sua voz era doce, como de uma criança, seu andar arrastado denunciava a idade que aparentava, e era muita.

Ficou do meu lado, olhou para mim e notei que seus olhos não tinham cor, nem brilho.

Eram olhos imóveis, estáticos.

Ela me disse:

“Vamos fazer uma breve viagem”

Num piscar de olhos, voltei a minha infância.

Garoto suburbano que andava descalço, jogando bola pela vizinhança...

“Bonito, não?” – comentou ela

É, nostálgico – retruquei

Continuou a velha:

“- Este era você quando acreditava no melhor das pessoas, antes do mundo e das próprias pessoas lhe corromperem com seu ódio e maldades, você era imaculado garoto, porém...”

- O cenário mudou.

Me vi em uma rua escura, onde só se viam sombras, vultos de almas renegadas pelo céu e pelo inferno. Todas elas sorriam para mim e no meio da cena a senhora continuava a falar:

“Você se perdeu, tinha tudo em suas mãos e jogou pela janela de suas ambições descabidas e inúteis, você vendeu a sua alma à carne. Hoje você é uma pessoa vazia, sem sentimentos e que apenas vive por viver.

Jamais verá o pôr-do-sol novamente, pois ele jamais nascerá para você de novo.”

Ela põe as mãos em minha nuca, eu tento resistir e ela me paralisa

Com um beijo frio em meu rosto, ela apenas sussurra em meu ouvido:

“Muito prazer, sou a morte...”

E estas foram as únicas coisas que me lembro de ter visto ou sentido após ela me tocar.

- Parei em outro lugar, diferente da visão de inferno que a igreja nos prega, com seu calor, demônios e cheiro de enxofre. Ao invés disso, me deparo com o que seria uma grande sala de espera, um saguão melhor dizendo.

Nos auto-falantes chamaram meu nome; cerca de meia hora de eu ter chegado lá, muito embora o saguão estivesse abarrotado de pessoas, eu caminhei frente a mesa e uma mulher linda, ruiva vestida com um tailleur me recepcionou.

“Você já era aguardado por aqui... Seja bem vindo” – disse ela.

Mas, eu não sei onde estou, pode me informar?

Aqui é o inferno, onde as “almas condenadas” são destinadas a “sofrer” por seus pecados... – ela respondeu.

E vejo uma recepção boa, com cervejas, toda sorte de bebidas e algumas pessoas conhecidas e algumas das quais inclusive eu era fã na minha vida mundana.

Aproveitei o lugar e bebi tudo que me era oferecido enquanto via alguns shows a passar em um palco montado em outra parte do saguão, eu estava em uma espécie de camarote.

- A ruiva apareceu outra vez e me diz:

- “Espero que esteja gostando das acomodações, temos tudo aquilo que o senhor gosta, basta nos pedir. A propósito me nome é Nívea, a seu dispor.”

De repente acordo no ponto final do ônibus com o motorista batendo na minha cara, falando:

“- Ei rapaz, ponto final, você tem que descer ...”

E me deparei com o mundo que eu tinha visto na minha alucinação, um mundo cão, e me lembrei de imediato da frase da velha senhora que dizia:

“- Depois de tudo isto, tu nunca mais serás o mesmo”

Marcos Tinguah Vinicius
Enviado por Marcos Tinguah Vinicius em 30/07/2011
Código do texto: T3127634
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.