Da sonata maldita à misericórdia do acorde
Entendo que é no silêncio que me questiono, mas percebo que é nele também que me ouço.
Das variáveis as quais tenho me dedicado, avalio com uma inevitável imprecisão: toda canção tem um quê de maldita.
E com isso me refiro a todas as partituras e até mesmo os suaves toques no piano pelos quais me dediquei tanto tempo. Se hoje ecoam é porque romperam o silêncio que havia e me abençoaram com as lembranças.
Se hoje as notas permanecem caladas, que assim seja até quando o silêncio ansiar em sua permanência.
Deixemos as coisas como estão, pois assim há de ser. Não faleis mais em redomas e em canções, vide o novo que me afasta do ser.
Sou dúbio, mas também dupla. Sou duas vidas em mim.
Se há na sonata maldita o meu apelo à vida em silêncio, há no acorde o meu pedido de rompimento.
Ser hoje é mais do que a tensão extensa que me dedico, é entender e me colocar sempre no limite e no extremo.
Se há menção em querer saber o motivo disso, eu diria que é muito mais simples e paradoxo do que eu entendo [mas] Resumiria da seguinte forma: sou um complexo de emoções que me ultrapassam e que nesse resultado pelo qual me formo, quase que matematicamente, só obtenho um produto sustentável quando do extremo das emoções.
Não seria tão complicado demonstrar essa minha fórmula se fôssemos matemáticos e se a lógica não nos tivesse sido tirada não apenas das cadeiras educacionais, mas sobretudo do nosso interesse. Logo, sendo a matemática uma ciência obscura, recepciono a musicalidade do ser em sua estrita relação com a alma como o melhor meio de explicarmos a essência das inquietações.
Kant afirmava que somos mesmo esse produto de tensão, mas não nos deixou outra escolha senão a matemática e sua minuciosidade perfeita para nos desenhar enquanto humanos.
Nietzsche, por sua vez, entendeu em primeiras linhas o poder da música no indivíduo.
Todavia, como todo poder corrompe quando em excesso, repito: há na música uma maldição que somente os excepcionais alcançam, portanto se não me dirijo mais ao piano é também uma maneira que encontrei de me resguardar aos efeitos sombrios que este detém sobre mim. Admito, porém, que não posso mantê-lo de todo longe. Quase que como o ópio a viciar, mesmo não o tocando, preciso saber que ele está por perto, para quando em minha abstinência silenciosa eu me ajoelhe e desenhe "pela última vez" a canção que estiver gritando em mim.
Poupai-me das notas tristes, mas não deixai que elas se esvaiam, pois sem elas não posso subir as escalas.
Não quebre-me tão forte, faça-me como um sustenido ou bemol, onde quebro a escala, mas o ritmo permanece e quando em seu momento correto, pinta e demonstra a beleza na canção.
Essa é uma súplica a qual escrevo em dois sentidos, mas ambos se destinam a mim. [Onde colocaria o leitor nessa estrada?... Sede meu aparato, meu caro, para que eu não me perca [novamente] nas palavras que se desmancham de mim.]
Vou em sentido lento e volto em sentido violento e na colisão dessas rotas aqui estou em letras insignificantes aos que não se atentaram logo acima que só deveriam permanecer na leitura caso o desconforto em ser os afligissem tal como descrevo.
Mas, se pela teimosia chegasse aqui, nobre, não se despreze em achar que terminarei a carta com o final feliz, ou com a tragédia anunciada. Saiba que sequer terminarei-a.
Essa é minha prosa sem fim, sustento firme de minhas agonias e súplicas. Não se sinta frustrado ao saber que o ponto final que colocarei aqui não pode esgotar minhas tristezas e decepções acerca dos ensaios os quais [pouco] me dediquei. Confesso que não sei porque o reprimo se também me abalo com a tensão entre o ponto final e sua impotência em finalizar também os conflitos que se chocam a todo tempo em mim.
Eis que o final chega, não sendo mais possível suplicar às palavras que permaneçam em minha companhia, pois que elas também repousam.Em mim, pelo menos, repousam quase que a todo instante e só me visitam quando em acúmulo ou quando em protesto ao meus excessos de silêncio. Rebelam-se em si e, por mim, escrevem.
Dar-lhe-eis o devido direito ao descanso agora, voltando ao meu ponto final, agonia dos dias que me calo e substância dos meus passos vivos.