Frio do Sul
Porto Alegre. Tem um prédio sujo a minha direita, que eu vejo pela janela quebrada e que se mostra através da cortina rasgada. E não é isso que aparece nas propagandas da tevê. Mas eu prefiro assim e as vezes até contribuo para tua sujeira escrevendo pelos muros palavras insanas de amor e morte. Como numa canção bairrista que fala do frio do sul, ou como num conto de um pescador. Velho lobo do mar, que não sabe nada sobre amar uma mulher no frio. Ninguém há de saber. Enquanto a televisão anuncia, em vias de festa, que a sensação térmica já passou de 10 graus negativos e eu coloco roupas sobre roupas e achando tudo isso um grande ridículo vestuário, as mulheres dançam no fogo das lareiras ao redor de nossas mentes desarticuladas. E o café nos serve de estímulo, a fome de aviso e a geada cai provocante sobre nossos capotes escuros. Então num trem, nesse vagão solitário, em uma viagem melancólica o frio penetra nos teus pensamentos e você imagina aquele velho vinho de anos atrás. Aí novamente algo te persegue e se mistura com a neblina no ar. Está tudo ali, soprando ao redor da sua cabeça, como em flashes luminosos, tipo quando atravessamos a cidade de noite e os anuncios de motéis brilhavam como nunca, e os carros passavam e deixavam seus espectros coloridos e até as luminárias eram mágicas. Fontes inesgotáveis de energia pura e limpa. Mas tudo tem seu preço. E o frio do sul não é uma criança ingênua brincando de matar formigas com uma lupa. Então os loucos incendiários e os fazedores de causos, com suas mentes deflagradas pela consciencia telepática, se voltam contra a História e as propagandas e os anúncios de tevê. "Diamantes Telepáticos" é o que buscamos nos tornar. Luz em becos criminosos. Saúde em clinicas psquiatricas. Na luta com o frio, a angústica, o emprego, o dinheiro, as placas, os desejos, os normais, os abstratos, os covardes, as chaleiras com água quente. Como num gole sofrido de um mate amargo.