(Memoriais de Sofia/Zocha)

Talvez ela esteja agora ao chão  próxima ao sofá de couro, enquanto ele desaparece   sob os jornais e sobrevoa a aldeia com seus olhos visionários.  Talvez ao chão à beira da cama, próxima aos chinelos, ela o aguarde e  o guarde como a um cão   fiel até a próxima cuiada de erva-mate quente. Guardadora de odores  além do tempo , aquela chaleira esmaltada, é bilha  de exílios e desembarques da alma, Zocha  ouve o ressoar de suas alças   batendo contra si própria  após cada movimento dele  para derrama-la na  cuia, as vezes como um grito do pássaro-ferreiro, outras como aos sinos repicando no  campanário da bizantina longínqua,  n'outras como o cinzel de uma batuta sinalizando uma travessia na pauta...A alça do tempo bate forte no sineiro. Na nave dos ventos  sapeca  a língua  a água fervente do mate, aquela erva que ele tão bem conhecia, porque aprendera a sapeca-la  nos terreiros dos barbaquás, nos ervais de Guarapuava...Desfolha-se o tempo, uma linha  amarelecida deixa a moldura, não há gavetas que
aprisionem o trotar da realidade. Ela corta couve-manteiga bem fininha. Um cheiro de alho e cebola invade a noite fria. Ela sempre era vista habitando a floresta de hortaliças que plantava. A couve vem daquela selva para ele. Um sorvo profundo de uma cuiada de chimarrão fervente queima  a alma  e dos olhos sangram labaredas.Há uma pauta acesa sob o frio e o cinza  do tempo no fogão que queima no azul  das gralhas, no inverno, um mate quente ferve o tinteiro, do chão, impassível,  ela o contempla...
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