Um presente para Deus
Quando sinto uma tristeza muda,
uma muda tristeza conformada,
de ser uma a mais numa sociedade
indiferente às emoções puras,
aos sentimentos sublimes que perpassam tédios,
pessoas que se intimidam e abstém
de confraternizar-se como deviam
e esperam pacientes e frios, quase o ano inteiro,
um Natal no vigésimo quinto dia de dezembro,
para, só então estreitar carinhos e retribuir mimos,
como se emoção fosse mera peça d’algum tecno-cronograma,
mensurado e independente dos almos dons do Mistério,
não me sinto digna da vida.
Espera-se um dia anual, apenas um,
para perdoar, acalentar, afagar, confraternizar,
e aconchegar valores verdadeiros, únicos e perfeitos,
quando toda uma existência é pequena
para tantos afetos que vertem da alma,
ora nascida no milagre, feita para o milagre,
com destino ao milagre.
Se eu fosse Deus, choraria sobre os mortais que somos,
pelo agradecimento tardio, formal e efêmero,
quase ilusório, tão morno quão pálido,
do rebanho criado e cultivado
dentro da amorosidade suprema,
mantendo-se afastados no entanto por muralhas de aço,
que eles mesmos ergueram,
bloqueando as lufadas amorosas celestiais
e pondo-se doentes de desafeto, descrença, desarmonia,
ingratidão e desumanidade.
Contudo, quando a misericórdia divina
sopra em minh’alma
que nesta época de renascer e reflorir,
continua crendo e esperando, pelo tempo necessário,
todo o rebanho arrepender-se para o indulto paterno,
faço alegrar meu riso tristonho,
empurrando a mudez conformada e
começa a nascer uma idéia:
-Que melhor presente deixar no sapatinho natalino,
para meu Deus amado, que não seja o Amor?
Santos-SP-30/11/2006