Rodo no vento, volteio no fogo.
Caí de um penedo que se desprendeu.
Desabei ao acaso no caudal de rio.
E vou na corrente, impelido por uma força espantosa.
Rodopio, caio, fico anos e anos num ressesso, crio limos e os limos amibas e medusas, de que sou pouso.
De repente a barriga da terra entra em convulsões de parto e sou expulso.
Se o rio é a vagina da terra, não sei.
Na minha pequenez, tudo o que me rodeia é estranho, imenso!
Sou um seixo, que se vai burilando, perdendo aqui a ali mais umas areias, mais umas arestas.
Ainda não falei do vento.
Um dia fiquei na margem seca do rio e o vento veio brincar comigo.
Levou-me correndo e rindo como doido, enquanto me ia empurrando.
De repente redobrava a força, jogava-me ao alto e em cada queda me ia limando.
Fui-me tornando pequeno, redondo, correndo na frente do assobio até que caí de novo num líquido leito.
Algo me pegou.
Dois focos brilhantes fitaram-me em espanto.
A luz que sobre mim incidiu não vinha do céu, mas de algo que flamejava sobre o próprio chão.
Soavam barulhos que nunca escutara.
Não eram ruídos de vento, de lava, de chuva… cada som buscava de outro o som, que vinha ao seu encontro.
Algo me pegou abrangendo-me inteiro, não era limo, nem protozoário… com suavidade, levou-me àquela luz estranha. Revirou-me de todos os lados, saboreou-me, cheirou-me, senti um estranho batimento regular, que me falava de agrado e contentamento.
Era diferente o poder que me tinha aprisionado.
A luz que me olhava era-me dirigida, não me banhava, antes me descortinava e seguia atentamente o meu contorno sem me agredir.
Algo tremendo acontecera: já não me sentia terra, encaixava-me no côncavo do ser que me detinha.
Eu era um brinquedo e o ser uma menina, mas nenhum de nós o sabia.



3/11/2006