Um velho truque


                       Hoje, pela manhã, fazia a minha caminhada matinal pela cidade. Solitário, vou pensando na vida e ideias  costumam surgir, me fornecendo material  para esse verdadeiro “papo” que tenho com os leitores.

                               Andando pelas ruas, neste fim de outono, temperatura bem fria para nós brasileiros, vi várias folhas de árvores, que num breve voo, acabavam caindo no chão.

                               Com certeza, imaginei,  isso que acabei de ver daria um belo haikai. Como o leitor sabe, o haikai é uma invenção japonesa. A intenção é captar este instantâneo, como num clique de máquina de retrato. E esse instantâneo tem que caber num pequenino terceto, em apenas 17 sílabas: 5/7/5.  

                               Vou me abrir com o amigo leitor: simplesmente, não consigo por em palavras esse instantâneo eterno. Isso só oriental sabe fazer, sabe-se lá o porquê.  O leitor poderia retrucar: “ são mais velhos que nós, os orientais”. É bem possível, diria eu. As folhas cansaram de cair na minha frente, quase que suplicando um haikai da minha lavra. Deu vontade de falar: podem desistir! Pois é, o leitor  agora deve   estar perguntando: Por que não disse? Realmente,  não disse, mas pensei.

                               Pois muito bem, siga comigo, meu bom leitor, nessa caminhada. Passo por uma rua que vai dar exatamente em frente ao CIEP, depois que se  atravessa   uma ponte. Muitos vão dizer: não era melhor dizer o nome da rua? Respondo: aqui em Miracema ninguém sabe nome de rua. Só conhecemos algumas ruas pelo apelido, tanto que a Prefeitura desistiu  de colocar placas indicativas. E essa rua por onde passo agora nem apelido tem.

                               Surge o  inusitado. Duas colegiais cruzam o  meu caminho e ouço uma delas dizer, excitada:  “fulana, era nove e poca” (tenho certeza que ela não falou pouca). E repetiu com ênfase: “fulana, era nove e poca” Algo muito sério aconteceu naquela hora.  Sempre me interessei pelo detalhe, mas o detalhe humano. Vejam vocês, as folhas que caíram lá atrás não tocaram a minha sensibilidade poética. Agora, esse “nove e poca” tinha algo de misterioso  para mim. Só não sabia era desvendar  o mundo que se escondia com essa expressão.

                               Mas tive o meu triunfo! Quase no fim do meu exercício, na rua que dá em frente  à minha casa (rua também sem nome),  passa uma senhora de bicicleta, com um filhinho no colo. Para em frente a um estabelecimento comercial. Ao botar o pé no meio- fio,  acontece a tragédia: ela aterrissa  o pé, limpinho. Esse pé estava  limpo, pude constatar. Repetindo:  ela pousa o pé bem em cima de uma bosta  de cachorro. Bosta mole, também pude ver!

                               Abrindo a porta de casa, ouvia seus gritos lancinantes: “Ai, minha Nossa Senhora! Minha Nossa Senhora! Que nojo! Que nojo! E uma coisa impressionante: nada pude fazer pela senhora aflita. Ou melhor, não quis me incomodar...

                               Meditei:  não estaria toda a tragédia humana contida  nesta cena?

                               Não acontecem, assim, quantas vezes, do nada, as tragédias humanas?

                               Conduzi o meu leitor até aqui e prometo que vou terminar. Mesmo porque finalizei o  meu caminhar e já me apresso em tomar meu cafezinho no Ronei.  Aprendi, ontem, do meu amigo Seminale,  um dos bons poetas do  Recanto das Letras, que existe o poema chamado senryu, uma espécie de primo do haikai. Também um terceto, mas cujo objetivo é condensar os problemas humanos, podendo o poeta dar um tom cômico , irônico ou satírico ao que ele pretende retratar.  Em suma, as vicissitudes do homem e da sociedade.     

                               Na vida há sempre um truque a ser aprendido. A duras penas aprendi alguns  pequenos truques para escrever uma crônica.   

                               Mas a poesia da vida. Poesia da vida, ah!, é para poucos. Esse velho truque ainda tenho que aprender.