Desse Lugar

Um lugar. De tal modo que quase se podia descrever a si próprio. E ficávamos a saber o segredo de um desígnio. Ficávamos a saber a verdade reservada para ser dita num dia solar. Porque todas as sombras deixavam de existir quando a luz viesse obsessiva inundar as margens abertas pela aurora. Essa verdade podia ser a nossa verdade, essa descrição – talvez íntima, talvez explícita – revelava o rosto da ausência, indo tão longe quanto pode ir um ponto no horizonte. O que julgávamos ser a realidade, o perfil de um lugar – a tarde pelas frestas magentas da cidade, um edifício de 50 apartamentos voltado para o brilho de um lago residual, centros comerciais com árvores de plástico e saldos prometidos a todas as gerações, e os campos ao fundo do poente próximos da morte de alguma coisa e o tédio que avança como um deserto e a alegria à espera na eternidade e os monumentos nas fotografias de um álbum e os retratos de alguém e e. Esse lugar que se descreve num texto longo e absoluto pudesse ser a nossa verdade (repito), a realidade própria, única, e pensássemos residir nela com a mais intrépida consciência imediata. Desse lugar teremos apenas um nome, escrevo, um nome tão material como os lábios neste nome. Na descrição encontra-se – acredito – o mar e as janelas do mar, o vento descendo pelas árvores no litoral, um beijo, os vidros da noite como um espelho, a boca dos amantes, ainda, ainda. Teremos a banalidade e a grande eloquência.