A Vida se Cria e se Recria
Acordou com os pássaros cantando. Pisou a grama fresca molhada pelo orvalho, este que graciosamente cobriu de lágrimas tudo que ali havia. Sentiu a pele arder suavemente pelo sol que não machucava, enquanto sentia sua barba áspera quando espalmava o rosto com as mãos que, momentos antes, relutavam em desfazer-se dos lençóis.
Andou, incrédulo. A sinestesia da cena o impressionava. Odores, Paisagens - montanhas verdes, recobertas de vida, vida! -, sons, frio e calor. Foi aí que se deu conta de como sua vida houvera mudado. Trocara o cinza do dia e da noite pelas cores das flores, borboletas, pássaros, enquanto o Sol o permitisse; e, quando seu lúmen fosse queimar já muito longe, que restasse o breu sincero, acariciado pelas estrelas, quase como crianças a querer encher o oceano com conhas cheias de água.
O coração mediu calmamente o frio de seus pés e o quente que insistia por sobre os cabelos, e sabiamente amornou-se. O homem lembrara-se de sua vida pregressa. De seus sonhos, daqueles que tivera de abandonar, e sentiu a noite lançar-se por sobre sua alma.
Mas a cabeça erguida não deixou jamais de olhar o horizonte, além da grama, das flores, das montanhas e do céu; olhava simplesmente para si, para as boas lembranças que guardara consigo, para a esperança em alcançar dias de menos dor. E, ao ver quantas alegrias ainda restavam diante dele, sorriu; e quis fazer do seu sorriso motivo para viver, e assim sorrir ainda mais.
Concluiu, por fim, que poderia recriar sua vida ainda muitas vezes, e que cada queda o faria ainda mais forte. Pois que venham as quedas, pensou. Que venha a vida; se ela for dores, serei sorrisos. Se violência, música; se for quem sempre foi, serei quem sou para sempre, e disso me orgulharei, seja lá o que o futuro me reserva.