Música e Sonho
O sono, da preguiça, dos remédios, vai, com sorrateiros passos, como o suave andar de Jeanne Moreau em "A Noite", lentamente me envolvendo num torpe abraço, quente como a tarde de verão, quase me derruba numa pequena tontura, os pés vão num ballet cego, talvez do alcool, ou mesmo do delírio, dançando tango com as sombras das paredes, na música tocada pelo vento nas folhas secas que começam a murchar no frio outonal, às vezes uma tosca, em meia luz se torna fugata, entre os caules finos que vibram em um pizzicato, e eu cambaleio a dançar involuntário, como naquela música dos Secos e Molhados, sendo o par e o parceiro, ao som do compasso de uma goteira que pinta 1,2,3,4... 1,2,3,4... os grilos e as ultimas cigarras soam como metalofones sopranos, e de novo a tosca, eu rodo e caio no chão, se mal enchergar, apenas ouvindo a orquestra tocar, e o sono, nada de passar, a cabeça parecendo pertencer a relva se recusa a sair do chão, me arrasto até a parece, lá uma outra goteira num outro compasso, 1...2,3... 1...2,3... numa pequena valsinha melancólica, que danço com os dedos indicador e médio, sem conseguir ficar em pé, as notas, quase mudas, ao longe, são tocadas por raios sonoros que caem a dezenas de quilometros transformando a noite em dia, e com os olhos não se suportando, desabam e se entregam à viagem ao reino de Morpheus.