Carta para Meyer
Então devo eu debruçar meu pranto sobre o ombro teu? Devo contar-te de meu medo e desejo, minha fome e desespero, das noites caladas em que choro para dentro com medo do amanhecer?
Devo contar-te de meus fracassos e pernoites, de meus sonhos banais em que tu és sempre o interlocutor? Contarei dos mapas que segui, dos sonhos que busquei, dos outros de que desisti?
Não posso contar-te de tudo o que eu penso e o que vivo, pois a vida é maior que o conto, e em um só mundo não pode caber uma só vida, uma só multidão - imensa. Só nesse mundo não cabemos a mim e meu ócio, meu desejo, meus segredos, meus esconderijos e mais você.
Nesse mundo não podemos ficar nós dois - eu daqui, você daí -, unidos por pensamento, separados pelas circunstâncias.
A vida não tem sido mais que um sopro quente sobre o meu café. Nesse tempo, a vida não é mais que o meu medo sublime, minha sensível vontade de ver, de ter, de ser. A vida é uma rima boba e sem coragem, um jogo para poucos, sem regras e sem juiz.
A vida é boba, é futil. É simples e banal. Também eu sou boba e fútil, errada. Quanto nos é permitido querer? Quanto pode, realmente, ser nosso? Quanto desse souvenir a que chamamos Vida nós podemos controlar? Posso abstrair essa realidade, e, em prol da sobrevivência, viver? Apenas viver, como tola e vã, como perdida, posso saber suas não-regras? Até quando posso indagar?
Queres vir a mim? Se queres, corra tu até aqui, corra sem medo - ou com medo apenas de que o tempo passe. Corra sem chance de erro, pois meu erro foi calar, foi parar de correr para ti, e deixar-te escapar como sonho bobo em noite de verão. Meu erro foi pensar que a Vida o traria para mim.
De todos os meus dias, sem dúvida, são estes os piores. Daqueles que vivo, vivi e viverei, todo o tempo, ao mesmo tempo, como num confuso filme francês, sem data ou porquê.