CONFISSÕES À SOLIDÃO
Ah! Companheira Solidão, anfitriã e confidente de todos os estrangeiros, não temas, jamais te abandonarei. Quando me descobri assim, estrangeiro nesta terra, não foram teus delicados braços que me embalaram? E na cruel tarde de meus dias não foste tu minha amável hospedeira?
Quando me afastei de todos e de tudo, quando abandonei este torneio ridículo, essa corrida ao revés que os homens loucamente disputam, não foi teu colo maternal que, amistoso, me amparou e acalentou?
Pois bem, quero agora de ti amiga, mais um favor, quero que escutes minha confidência mais íntima. Escuta companheira Solidão, anfitriã e confidente de todos os estrangeiros, escuta minha história: - Há muitos anos, uma linda e angelical adolescente por mim se apaixonou, loucamente. Arrebatando-me fulminado pelo desejo, cedi a seus braços rosados e suaves. Senti-me, dos amados o maior. Seguro de mim, desdenhei minha doce amante. Ah, jamais deixaria de ser adorado por aquela que a mim dedicara a própria existência; aquela que me acompanhava satisfeita em todos os momentos. Só para mim tinha olhos; sentia-me um rei, soberano e senhor muito amado.
Hoje, porém, Solidão amiga, quando percebo os braços de minha amada já envelhecidos, enrugados e ossudos, sinto seu hálito (outrora fragrante) amargo e desagradável, é aí que mais desejo seus afagos. Mas, aquelas mãos tão suaves no início, hoje hostis, ásperas e cheias de fealdade, negam-me qualquer agrado, qualquer afago. Com freqüência repele-me enjoada...
Sei que sou louco por apegar-me a esta velha grotesca que me repele e inutilmente rogo humilhado seu amor.
Ah, companheira Solidão, anfitriã e confidente de todos os estrangeiros, queres saber o nome desta meretriz imunda a quem insanamente dediquei todo meu amor?
A vadia chama-se Vida.