[Um Blues a Mais: Cuspindo a Velha Vida]
O desejo é o demônio nas veias, correndo solto, tentando saídas...
Solto nada; está constrito, mas pulsa doido em minhas artérias, oras!
A rua acende suas luzes e me chama.
O meu carro me espera na garagem e me chama.
A noite acende-me nas veias mistérios, possibilidades, e me chama.
A névoa de quase inverno cobre os parques, as praças, as esquinas, as lúbricas figuras das esquinas, e me chama, pois sabe muito bem a excitação que [a neblina] me causa.
Mas hoje, talvez eu não vá. Talvez, só talvez, pois ainda é cedo. Hoje, foi dia de mais um soco da vida em meu estômago: e hoje foi pior que ontem; hoje, eu cuspi sangue, sangue velho, podre de vários anos. Cuspi gosma de sangue sim, cuspi feito um lutador num ringue cercado de palhaços, sendo eu o palhaço maior. A vida é assim: aprendi mais um lado perverso. Mas é melhor cuspir que deglutir.
Posso até matar se quiser... sei que posso. Mas ainda assim, nada vai extrair de mim essa sensação, essa náusea de ter vivido até aqui, até o ponto em que, finalmente, consegui escarrar esse vermelho escuro do sangue podre.
Está ainda pulsando esse estranho desejo... apenas uma mutação do acalento suave que eu queria agora, e não tenho. Deve ser por isto que o corpo erra, clama, quer, precisa, necessita! Depois, será apenas o vazio de sempre, será só o vazio. E de novo, sozinho na rua, na noite. Mas, o que importa? Melhor é sentir o corpo exausto. Exausto de haver lutado essa longa porfia contra o tempo, contra as crenças, ou pelas crenças, e estar, finalmente, perdido...
E já que o depois é sempre o território maldito da perda, sempre, não haverá talvez. Eu vou. Um blues a mais na noite... está feito o jogo!
[Penas do Desterro, 02 de junho de 2011]