UM AMOR DENGOSO - UMA HISTÓRIA TRISTE
UM AMOR DENGOSO.
Vários anos de distanciamento transcorreram acompanhados de um silêncio que por necessidade nos impusemos talvez um comportamento de auto-flagelo, indevido é claro, mas necessário, todavia, hoje entendo esse silêncio como o fruto de uma sabedoria serena e de uma correta determinação.
Esses anos em clausura imposta, hoje eu pretendo romper, fazendo uma análise profunda e sincera, resultado verdadeiro encontrado nesse exílio, fruto de uma paz serena e meditativa, sem o concurso do fastidioso saudosismo e, sem a negação de um passado, que ainda faz-se muito presente na minha vida.
Responsável também por uma vivência boa que hoje não a desejo mais, passado esse muito responsável pela falta de êxito nas investidas emocionais, com o objetivo de encontrar alguém com quem possa dividir a minha vida e ser realmente feliz.
Pois ele me persegue como fantasma, dando-me a impressão de que todas as mulheres são iguais, e que, na verdade, gostam de serem mal amadas, talvez Freud explique esse comportamento feminino.
Se um dia tu vieres a ler este Fac-Símile, desejo sinceramente que o aceite não como uma manifestação de fraqueza ou, como uma regressão saudosa ou outro condicionamento qualquer o conceituando a priori.
Quero, entretanto, que somente o aceite como a manifestação pura de uma verdade, que levou vários anos fermentando com paciência e abnegação nas entranhas do meu emocional e do espírito.
Entretanto, após esse tempo em estado de decantação, envolvido por um ostracismo em silêncio, onde eu exilei, quero dizer, exilei-me dentro de mim mesmo, para afirmar e firmar um posicionamento, numa demonstração de coragem e compreensão, para dizer do que se passou e ainda se passa dentro de mim, talvez ainda não compreendido, eu entendo.
E como a ocasião é para mim de certa forma especial, quero dizer o dia do teu aniversário, (27.05) rompo esse silêncio martírio que muito me fez pensar, analisar, interrogar e investigar o nosso comportamento.
Destaque-se o meu, num passado não muito distante, pois ainda sinto o adejar de suas asas invisíveis com marcas irremovíveis em minha alma, inibindo-me para uma nova investida em um envolvimento emocional.
Hoje tens trinta e seis anos, e eu te pergunto: – Por que fizeste tantos anos e as asas do tempo ainda não roçaram os teus cabelos, e agora te encontras sozinha a olhar para o inescrutável norte da vida?
Como não podes me responder, eu por ti respondo:
- Ah, os meus anos eram lindos e poucos e os teus eram muitos, e não souberam entender os meus anos poucos. Conhecemos-nos como dois relâmpagos rebeldes; amamos-nos como dois loucos, e não conseguimos mantê-lo um pouco, tudo ficou sem sentido, muito vazio semi-ôco.
Às vezes, eu me pergunto se realmente nos amamos, quero acreditar que sim, entendo que nos amamos realmente, todavia, permanecemos em nossos extremos existenciais e, aos poucos, fomos nos afastando além dos extremos permitidos, tudo de uma maneira violenta e sobremaneira impensada.
Não tínhamos a coragem para assumir àquele amor, porque para tê-la precisávamos comungar uma vida compartilhando-a, sem, contudo, tolher a individualidade de cada um, e assim, o nosso orgulho se petrificou, encarcerando em nós de modo incomunicável aquele sentimento puro que outrora nutríamos.
Agora, depois de haver trilhado o meu particular gólgota, adquiri o suficiente equilíbrio para entender o porquê daquele relacionamento, que era divino e esvaiu-se numa bruma questionável e escura em um convívio tolerante.
Entendo que te amei, aliás, eu já te disse isso em um dos meus poemas, “foste a segunda e primeira mulher que amei”.
Tenho lembrado o quanto te amei, e hoje sem os ranços e as amarguras próprias, entendo que te amei sem saber que não sabia te amar e tu não sabias ser amada.
Dessa forma e muito sinceramente faço votos e desejo piamente de todo o coração que, adquiras o equilíbrio existencial e sejas feliz, ou ao menos a menos infeliz de todas as mulheres e que te realizes como mãe.
Assim como no meu coração e alma, desejo também que no teu coração e na tua alma não haja lugar para o ódio, o rancor, a amargura, e que só habitem a felicidade, a esperança, a ternura, a serenidade, essas existencialidades que tu bem as mereces e haverás de sempre merecer.
Digo sempre que te amei e, por conseqüência, amo também aos meus filhos, sempre hei de amá-los da minha forma atípica, por toda a minha vida, e não haverá sentimento igual que ocupe o seu lugar.
Tenho saudades de vocês (de ti, do Juninho e do Guilherme), apesar das adversidades sofridas neste exílio martírio, trago vocês sempre nas minhas lembranças, essa é uma forma de saber que um dia fui feliz com vocês.
Eu prossigo o meu caminho só e de braços com a solidão, à noite, eu tenho obrigatórias visitas, é que me chegam as torturantes lembranças e as saudades.
Sonho com um paraíso no limite do passado, onde somente vejo vocês. Choro com vocês e rio-me com vocês, de repente, um anjo desertor semitransparente e bonzinho arrebata-me para outros sonhos.
Quero que me desculpes a forma franca com que vou continuar este Fac-Símile, não é um sinal de arrependimento ou fraqueza, antes de tudo, é uma forma épica de registrar um passado no qual estávamos inseridos, e que hoje afloram resíduos de lembranças que ainda transitam sôfregas por mim.
Por que inicialmente tive de te amar tanto?
E hoje viver mergulhado em lembranças infindas, recordando-te, amando-te num passado, censurando-me numa penitência vivida e num silêncio contrito.
Vivo com o teu fantasma e, entremeio ao pranto, eu me lembro daquele amor que tinha razão de ser, pois era bom, mas espantosamente se evolou como fumaça no tempo.
Aquele sentimento era simples e bonito, inocente e desprendido, assim como todo o amor na sua expressão verdadeira.
Eram os teus anos poucos, e em tua graça de menina ninfeta feita uma mulher, tudo em ti se incandescia e a tua juventude se arrebatava inconseqüente para residires afoita nos meus sonhos loucos.
A simpatia e o charme te envolviam numa atmosfera de carisma e sedução, tudo em ti transcendia à beleza, à ternura, à serenidade própria de um anjo, cuja impetuosidade em forma de arrulhos e com a tua natural e sadia formosura, me seduzias.
Teus olhos fogosos, inquietos, vestidos de uma malícia menina sobejavam os relâmpagos sensuais, que afloravam em forma de energia embriagante do teu ser novo e cheio de desejos.
Agora tudo se transmudou.
Modificou-se a própria natureza daquele sentimento num ciclo próprio, fazendo me lembrar de um passado não muito distante, no qual, vivíamos tão completamente que nos assanhava o medo de estarmos vivendo um paraíso terreno, um verdadeiro sonho, muito próximo a sintomas de eternidade.
Isto era próprio da efemeridade do sentimento.
A proximidade da estação fria nos leva instintivamente à idéia de proteção, aconchego e calor e, nesse processo saudoso de pensar, conduzo-me a um passado hoje cristalizado em forma de fugidias lembranças que emana do fundo da alma em sombras de recordações.
É um retrocesso de lamentos compungidos a um estado de nostalgia.
Envolvido com a lembrança de uma vida pretérita, envolta por uma bruma espessa que, o passar dos anos acumularam em suas sábias memórias.
Reviver um passado é mais doloroso do que vivê-lo na sua época, na plenitude do acontecendo.
Lembro-me da nossa casa, uma casa simples como todas as outras, mas o que a diferenciava das demais era o nosso encanto, a nossa harmonia.
E, assim, transpirávamos felicidades e a alegria que a inebriava em suas entranhas mais íntimas e primitivas, transfigurando uma vida a dois, plena de amor e cheia de prazeres.
A estação fria aproximava as nossas almas e, no encontro de nossos corpos, nos aquecíamos em doces volúpias numa entrega total.
O vento frio adentrava pela janela do nosso quarto, provocando inocentemente uma atmosfera envolvente, fazendo antever um clima propício à comunhão de um desejo carnal possessivo.
E entre ritos de arrulhos e carícias fugazmente praticadas, nos consumíamos vorazmente.
A coberta quente nos envolvia para somar-se ao calor de nossas carnes vivas, já transpirantes, numa câmara de prazeres com beijos enlouquecidos, desvairados de amor e paixão.
O calor do teu corpo evolava-se para o meu, e o aroma quente do teu hálito de mulher me possuía com desprendimento e furor.
Os beijos eram alucinados e me devoravam sexualmente, e os teus lábios eram duas semi luas de carne em brasa, rubras de vermelho sangue, famintos de desejos.
E nesse envolvimento quase um bailado de corpos e alma, o teu corpo num ritual mágico transcendia ao prazer com as carícias propositais de teus seios eriçados, gostosamente intumescidos, cheios de amor.
Eles eram tão robustos e brandos como a lua.
O teu corpo num frêmito sexual descansava languidamente sob o meu, já exaurido de prazer, mas, ainda abrasado de amor.
Estes foram os dias de aurora em nossas vidas, uma aclimatação de dois seres humanos mergulhados no poço silvestre de suas almas.
Almas essas aonde se escondiam às emoções descontroladas e desconhecidas.
Dessa forma, nos conhecemos entre prazeres ligados por um sentimento forte, pelo menos nos parecia forte com indícios para durar uma existência e prolongar-se pela eternidade, envolto por sonhos, após a morte de nossos corpos.
Meu Deus quanta ingenuidade!
Juras de amor eterno não nos faltaram, havia entre nós uma determinação forte e reta para tornar aquele amor perene nascido tão rápido, tão lindo.
Mas por uma interposição de um carma maligno, advindo das profundezas de nossos egos, o transformaram em violento, estúpido e desequilibrante, em função da sua efemeridade no existir.
Esse amor buscava no fundo de nossos fracassos e na periferia dos recalques e das neuroses, doses violentas de ofensas, de amarguras, de desesperanças e desprezos para aquele sentimento que foi: viçoso, inocente, possessivo e bom.
Arrancávamos do íntimo de cada um de nós o alienante orgulho que acabaria por soterrar de vez, aquela aura transcendental que outrora nos envolvia.
Mas mesmo assim, considerando os percalços tormentosos, foi uma linda história de amor, estaríamos faltando com a verdade em não reconhecê-lo.
Todavia, as provas concretas de um passado lírico permanecem estáveis e latentes no fundo de nossas almas.
Que digam: A praia do forte. O barquinho da lagoa. O centro espírita e os seus bosques. O restaurante do “dengoso”. As montanhas e o túnel de Siderópolis. O edifício Argel. O Edifício Sevilha.
Todos agora jazem calados.
Foi um sonho com nomes e lugares reais e definidos e, quanto mais silêncio nos impuser, mais vivos aqueles momentos aflorarão em nossos espíritos.
Hoje são saudosas e fugazes lembranças nos reconfortando com a retrospectiva de toda uma vivência que, o próprio tempo engoliu.
Deixando-nos a doce recordação de um cálice floral de vermelhas pétalas, que outrora adornava as nossas vidas envoltas por um sentimento puro, para ficar em brancas espumas e gostoso sal de um triste e esquecido mar.
A tempestade da convivência levou aquele barquinho de quilha arredondada, às vezes místico, navegado por nós dois em pedaladas infindas, rumo a um infinito tão grande que o tempo não o conteve malfadado o tornou finito e para sempre esquecido.
Como todo o amor o nosso não fugiu à regra, trouxe-nos como resultado material uma pequena riqueza humana, uma divina criatura, muito querida e bela e que resolvemos chamá-la de Heráclito-Júnior. Na intimidade e em virtude da sua graça e beleza, ele era travestido como um anjo e chamávamos de “Juninho”. Era lindo o Juninho, uma conseqüência bela e angelical de um amor que já não era mais belo.
Nessa época e nas circunstâncias que se foram criando, já começávamos a enfrentar adversidades ilógicas. Bem poderíamos tê-las contornados sem grandes conflitos, mas, no entanto, prosseguíamos sem fazer uma reciclagem do convívio, ignorando as pequenas feridas do atrito, sem dar-lhes a devida atenção.
O tumor crescia sub-reptício, deixando um mútuo silêncio nos afastando sorrateiramente, nos desculpando em preocupações costumeiras e na absorção de uma rotina indesejável, nos conduzíamos silentes para o confronto maior.
Creio eu que por uma necessidade subjetiva do inconsciente, sem uma explicação plausível, mas sim, como uma alternativa de nossos egos emperrados para a busca de uma solução e, por uma necessidade existencial própria, de uma vida já em decadência, surge mais um elo virtual para as nossas vidas.
Nasce o Guilherme, lindo, chorãozinho e bom. Veio assim, creio eu, para aparar as nossas arestas cortantes, desejando com a sua inocência arrefecer os nossos orgulhos que não eram poucos.
Trouxe-nos o Guilherme com a sua inocência própria e a sua beleza de criança esperança, uma oportunidade para que revíssemos as posições, ensejando um rumo certo para aquele barquinho de outrora.
A essas alturas já nos defrontávamos com uma dura realidade cheia de espinhos, ranços e amarguras.
E o distanciamento a cada dia se aprofundava entre nós, somando-se as inserções desavisadas e indesejáveis, provocando assim, uma maior ruptura num relacionamento deveras já conturbado.
Sem rumo e sem objetivo vivíamos somente na capacidade de uma dolorosa e humilhante aceitação, e os agoureiros se satisfaziam com a autodestruição sistemática daquilo que um dia fora bom, sincero e real.
Todavia os anos destilavam-se em gotas sofridas e, num ritmo lento, transbordavam de forma incompreendida do vaso efervescente de nossas vidas, feito um capitel de angústia e dolorosas ofensas mútuas.
Imprimia-se assustadoramente em nossos espíritos o sentimento do desprezo e da indiferença, nos levando vorazmente para misteriosos pélagos de sabor ácido, fermentando um azedume insuportável no convívio.
Fazendo-nos sufocar em vilanias primitivas, entrecortadas com olhares de soslaio, ríspidos em censuras, frios em desprezo.
Sentimentos esses que nos infligia mais ainda o ódio, embrutecendo de forma abominável nossas almas rebeldes e tiranas.
O orgulho maligno, a insensatez e a miserabilidade de nossas almas, prenunciavam o estigma do conflito inevitável, encurralando-nos nas temíveis garras de uma dura e estúpida realidade.
O fracasso e o desamor habitavam nossos corações como demônios líquidos.
Diante da última humilhação sofrida, aliás, a mais cruel e indigna, cravou-se na minha alma como uma descarga elétrica, conscientemente dirigida, eletrocutando de uma vez por todas, qualquer hipótese de contemporização ou reconciliação.
A traição foi propalada como flecha derradeira.
Essa foi à forma inditosa, premeditada e arquitetada numa mente já adoecida para por fim a um relacionamento que não mais interessava. E assim, foi insinuada a estupidez da humilhação última, capaz de dissolver qualquer convívio por mais equilibrado que pudesse ser.
A baixaria em tom demente e de arrogância diabólica, enturvava de maneira mesquinha e maquiavélica a natural nobreza da alma e, com a podridão moral, prevalecia à mentira, prenhe de uma falsa verdade, num espírito conturbado e doente.
Do orgulho ferido sobraram hoje sentimentos de piedade e comiseração, conquistados ao longo dos anos entre prantos calados, numa aceitação pacífica sem remorsos.
Não há um sentimento mesquinho que se nivele àquele vivido que, do êxtase do amor passou estupidamente para o ápice do suplício.
Reportando-me hoje àquela época de conturbada existência a dois, penso até não haver existido assim tão trágica e desumana.
Apesar de ainda sentir os seus efeitos na própria carne ecoando pelo meu ser adentro, não consigo alimentar em meu coração sequer uma pequena sombra de ódio ou desesperança no ser humano, principalmente esse que, comigo partilhou também a sua dose de sacrifício e humilhação.
Quero isentando-me do passado, que encontres verdadeiramente a paz, a tranqüilidade de espírito e a compreensão dos fatos ocorridos, para, num entendimento supra-inteligente, dissolveres as lembranças amargas que ainda possam existir, para que assim, tu possas encontrar a tua realização como mulher, como ser humano, carente de afeto, amor e compreensão.
Seria injusto da minha parte se não assanhasse em meu espírito esse sentimento justo, para quem um dia, também comigo comungou num lapso de vida momentos de ternura e de um amor profundo.
Nesse distanciamento de corpos e de almas, temos, por certo, a mesma impressão, a de que somos, ou melhor, nos transformamos em estrangeiros um para o outro, muito apesar dessa idéia ser sacudida pela existência de dois filhos, testemunhas real e viva de uma vida que fora compartilhado a dois.
Apesar das escarpas e dos espinhos encontrados em nossos caminhos, não podemos esquecer das flores que às vezes revestiam esses mesmos caminhos, numa mansidão que se nos parecia interminável.
E dessa forma, nos sentimos solitários estrangeiros errantes dentro de uma mesma pátria.
E essa pátria, a do esquecimento, coloca-nos em estado de meditação.
Interrogando-nos até quando fizemos sofrer os nossos filhos, que de nada poderiam ser culpados, e que em cujas tenras idades lhes imputamos questionamentos confusos.
Devastando as suas pequenas mentes novas num mundo de incompreensão em que, por certo, criamos traumas de difícil superação que carregarão pelo resto de suas vidas.
Seríamos capazes de lhes explicar o ocorrido sem o espírito do revanchismo, sem o desmerecimento de um pelo outro, a fim de justificarmos se é que se podem justificar os nossos sonhos fracassados?
Eráclito Alírio