O Catre
Hoje eu cruzei as pernas, sentado no travesseiro, e implorei por um coma súbito. Não fui atendido, como pode ver. Não restou muita coisa de mim. O que vejo no espelho trincado do banheiro é um amontoado de feridas emendadas, de sangrias desatadas parcamente cicatrizadas, de uma alma que foi reduzida à míngua dentro do meu corpo que a cada dia que passa apresenta alguma violência contra si própria e me fere. E me dói. E me faz sofrer. E faz inefável o pensamento do aconchego da tumba. Olhei nos olhos vis de uma Górgona meretriz; soçobrou-se minha barca ao Paraíso; sobrou-me o canto triste e indeciso num indriso. Não tenho idéia do que farei para conseguir chegar vivo até o fim deste dia terrível. Que horror, deparar-se com a solidão no pé da porta; tão somente ela, companheira inseparável que se mostra tão pungente presente indecente insolente quando se mais precisa dela longe bem longe ao longe. Fico lapidando minhas dores, tentando transformá-las em algo bom; tento transformar o negrume destas pústulas de espírito em indeléveis e intocáveis e físicos diamantes. Não sei se consigo, bebendo um copo de água suja atrás do outro, quando o que pode matar essa minha sede da alma não existe. E se existe, me foge. E se existiu, de mim se exauriu, podando-me de seu ciclo de vida. Tudo ruiu, tudo, menos manchas dos pés na parede. Que fantasmas dormem em posição fetal com dedos de nitrogênio dentro de bocas ectoplasmáticas? A melancolia faz a cisão das minhas substâncias; sou o que sobrou de um haraquiri com cutelo enferrujado. Ruim é quando os planos afundam num lugar plano; poderia haver um penhasco aqui, uma encosta, ou mesmo uma árvore em que eu pudesse garrotear o pescoço e fingir voar como uma gaivota no derradeiro planar da derrota. Nem banheira tem, pra eu tomar um banhinho com a torradeira atada à tomada. Tudo se resume ao ídio e a ídia: a perfídia da Lídia causando seu suicídio e uma estadia sem fim no presídio. Aqui a hora parece não passar; os ponteiros teimam em apenas se arrastar. Canecas batendo nas grades de ferro, choros de madrugada, lamentações dia após dia. Uma tensão constante, entediante, sufocante; neste décimo oitavo círculo do inferno de Dante, não posso atentar contra minha vida nem com um milhar de goles de desinfetante. Trancafiado nesta invisível redoma, com os horríveis ruídos da Sodoma, implorando aos céus por um fulminante sarcoma. Até quando não ser atendido e pagar a pena por um mal-entendido? Até quando não ser ouvido e apelar à pena para quiçá ser lido? O fim – mais um, menos um – do dia chega - um hiato no martírio, no sofrimento mera nesga. Hora de dormir. Deito-me de barriga pra cima, com uma rosa entre as mãos cruzadas sobre meu peito. Pois eu não sei o que - e se - Haverá quando eu acordar.
30/05/2011 – 10h50m