SONHO
Era uma vez um sonho nascido de um olhar muito antigo e encarnado na linguagem, um sonho que escapava todo o tempo de seu corpo de linguagem, para céus mais profundos.
Era uma vez um sonho que volta-e-meia se via obrigado a voltar à terra do cotidiano e esta vivia assolada por calamidades terríveis. O sonho velava o rosto para não ver, cerrava os ouvidos para não ouvir e novamente escapava em direção à profundeza mais funda do seu próprio céu, para respirar e ser feliz.
Certo dia, a realidade assumiu o Poder Absoluto e sequestrou o pobre sonho subversivo em um quarto escuro, sem água nem migalhas de pão. As tristes asas do sonho foram se atrofiando a tal ponto que começaram a perder a memória da sua Pátria Verdadeira. Mas, sendo um sonho de verdade, não podia morrer e, para não morrer, começou a se reinventar, dolorosamente, letra por letra, sílaba por sílaba, palavra por palavra, frase por frase, a fim de poder voar, em seu corpo de linguagem, para além dos muros sem saída do quarto escuro onde o haviam posto.
No presente momento, o sonho pede a ajuda de seu Anjo, para que possa terminar-se totalmente e voar-se, vitorioso. Posso vê-lo, com os meus olhos imaginários, as asas abertas em prece, implorando...
Republicação na manhã de 28 de maio de 2011.