ITAPEVA
I T A P E V A.
Apologia a uma certa colônia de pescadores.
Ó perfiladas aroeiras!
De rubras frutas, caminhos do corpo de Deus, alimento dos sabiás.
Contornas com a tua graça verde, as ricas enseadas de sol e de gostoso mar.
Ó frondosos eucaliptos!
Esguias sentinelas que ganham as alturas, projetando as majestosas sombras, aonde se deliciam os nativos, enriquecendo seus sonhos longínquos, numa prosa caipira.
Ó figueiras!
Mães eternas, símbolo da longevidade, esparramando teus ramos pelo ar, tentáculos de seculares histórias cravadas nas tuas monstrengas raízes, aonde te alimentas do rico solo.
Ó mar!
De plácido verde, de viscoso limo, alimento dos camarões, de existência milenar, acariciado em plena tarde de verão pela brisa suave do norte.
Ó montanhas!
Guardiãs avançadas, exuberantes no ser e na forma, humildes elevações deixando-se beijar pelas ondas perenes, num ritmo secular.
Montanha verde que te beija o mar, e as brancas nuvens te acariciando eternamente como filhas diletas que partem rumo ao infinito.
Ó vento!
Nutriente lânguido do meu pulmão.
Vento da mãe brisa, pai inconseqüente do temível furacão.
Ó polidas pedras!
De granito quente, outrora foste vômito de vulcão, de lavas ferventes, trazidas do âmago da terra, porque através desse cadinho natural expeliste o rico mineral e, com o teu calor, dás início à complexa teorética da vida.
Ó canoas!
Embarcações côncavas que levas em teu bojo primitivo de tosca madeira os meus anseios e os meus desejos perdidos em alto mar, desgovernados, insuflados pelos ventos do setentrião.
Ó nativas!
Pequenas e desajeitadas aldeãs, de curto riso tribal, de jeito caipira, matreiras, envergonhadas e avermelhadas de silvestre urucum.
Ó nativos!
Velhos cedros carcomidos de faces retorcidas, de rugas profundas, castigo dos ventos e do impiedoso sol nas intermináveis roçadas.
Caminhas da aurora ao triste ocaso, do mar à íngreme montanha, nas escarpas e nos córregos tu procuras o melhor sustento para os teus bois, teus amigos, as tuas máquinas.
Ó bodega!
Senado dos anciãos e refúgio do dia-a-dia, de dois bancos capengas, em teu recinto ouve-se a sabedoria, ensinamentos dos ancestrais, regados com uma pinga, no limite e nas extremas da terra, na prosa sadia e no respeito mútuo.
Sabedoria sábia, do nascer ao morrer, do plantar até a colher, do engenho à mesa, da tarimba ao mar, dos dias santos aos dias de guarda.
Ó Mães nativas!
De dor em dor, alimentas o teu corpo na química dos remédios de efeitos colaterais.
Teu charme é ser doente e ter problema na cabeça ou de parto, às vezes, uma doença genética e, só assim, irás à cidade andar de ônibus ou a pé, comer maçã e conhecer o Doutor.
Ó forma de viver, até nisso sentes prazer, encaminhando-te para morrer?
Ó capela!
Locutório de Deus, o negócio é cantar, bonito é quem canta mais alto, de garganta ríspida e desafinada.
Pois não sabem trinar!
Num senta e levanta com a ginástica do ritual e da liturgia; lês o dominical boletim, nada entendes, mas o status é rezar e ir à missa.
Religião mal instruída de gramática e parábolas, o poder do clero te domina com livretes e oferendas, mas a rezar ele não te ensina, porque ele também não sabe orar.
Então, ora comigo!
Ó Deus! Por que tu não fazes padres que saibam orar?
O quê adianta dizer que do céu caiu o maná, se aqui, eles não têm com o que se alimentar.
Ó Deus! Ajude-nos!
Só tu podes.
Por nós orar.
Muito amiúde.
Ó Deus!
Que não tens religião.
Ensina pra essa gente,
Como é a oração.
Ó Deus!
Que não és pobre e nem rico.
Vede como os trata o padre,
Aos teus diletos filhos.
Aqui, tudo é pecado,
Diz o padre mal informado,
Aos coitados dos homens.
Que não te entendem,
Depois da triste fome.
Para os padres e os bispos,
Não importa a real fé.
Antes da filosofia do Cristo.
O dinheirinho pra “Santa Sé”.
A religião virou isso.
Que Deus perdoe o padre,
O bispo e o Cardeal
Esqueceram o Cristo e a caridade.
Agora os move, o “Santo Capital”.
Eráclito Alírio.