[Retrato do Abandono]
[Uma Estação da vida]
A velha drogaria cerrou as portas de vez.
Na certa, o ambiente do cômodo, as paredes,
já não mais trescalam aquele odor característico
que a gente percebe tão bem em toda farmácia.
No larguinho em frente, cresce uma árvore,
um "chorão" solitário — não tão solitário
quanto eu, que bem tarde da noite,
passo devagar pelo largo da farmácia,
sem rumo, sem motivo algum
[ou há um motivo e eu não sei?].
Passo... sigo vagamundeando lembranças
de outras quadras de meu tempo,
os tempos não melhores que este,
que cada tempo tem seu sumo,
e o que fazer, se mal o aproveito?
Cada tempo que vivi, eu sei,
foi roubado à morte, é claro.
02h45...Contorno o largo da farmácia
pela esquerda; e a esta hora, encostada
no frágil tronco do "chorão", lá está
a putinha magrela que ainda tenta...
A vida é traição, e não perdoa:
tira retratos do abandono,
faz comércio com a dor.
[Penas do Desterro, 21 de maio de 2011]