059 - O MEU OUTRO EU...

Ao freqüentar salas de bate papo, fui gostando, fui viciando naquela virtualidade, mas tudo um dia tem seu fim, não mais voltei àquelas salas...

Brincando fui criando um novo eu, parecido comigo, tinha os mesmos defeitos, as mesmas manias, os mesmos gostos, mas mais acentuados, o cabelo era o mesmo, lisos e pretos, olhos claros, a altura era a mesma, o peso idem, exercia a mesma profissão, parecidíssimo comigo, mas não era eu, era o meu outro eu.

Esse meu outro eu foi se agigantando, acrescentou outras qualidades e outros defeitos à sua personalidade, exigiu um novo nome, outro endereço, em tudo era melhor, em tudo me superava, mais amável, romântico, desavergonhado, conquistador, muitas admiradoras, tudo que sonhei ser um dia aquele meu outro eu estava sendo, tornou-se senhor da minha vida, exigia horas e horas nas salas de bate papo, quantas madrugadas afora conversando com suas amadas, no trabalho me sentia exausto, irritado, o meu outro eu atazanando, desejando a madrugada para ficar horas a fio naquela virtualidade tão sedutora, tão atraente, irresistível...

Meu outro eu se apaixonou por alguém tão virtual quanto ele, quantas vezes o sol já clareando e ele ainda amando, na cama os dois rolando abraçados em lençóis perfumados, Ah! Que beijos inesquecíveis, que carícias arrepiantes, exaustos de tanto amar se despediam jurando um novo encontro na próxima madrugada, ela não tinha problemas de TPM, gravidez, enjôos, estava sempre disposta, sempre amável, doces palavras...

Meu outro eu a cada dia mais poderoso, mais dominador, avassalou a minha vontade... Mas um dia eu pensei:

- Hoje vou assassinar o meu outro eu, antes que ele me assassine e tome o meu lugar. Na alta madrugada meu outro eu nos braços e nos abraços com o seu amor, de longe fiquei a observá-lo, senti uma imensa inveja, ele tinha tudo o que eu sonhei um dia pra mim, em tudo era melhor que eu, mas hoje será seu último dia de vida, vou assassiná-lo... Quando o meu outro eu voltou-se pra mim, eu lhe disse:

- Hoje é o seu último dia de vida! Espero que tenha aproveitado-o ao máximo, pois vou matá-lo!

– Eu sou fruto do seu pensamento e da sua vontade, na verdade sou parte de sua vida, sou você melhorado, ou melhor, sou aquilo que você gostaria de ser, ao me assassinar você estará destruindo a si próprio! Parte de sua vida deixará de existir e é o melhor que há em você!

– Concordo! Você é parte do que sou, mas você passou a ter vida própria, quase dominou a minha vontade, tornou-se exigente, um ditador, toma grande parte do meu tempo com suas quimeras, vou me libertar de você!

– Será que você não esta com inveja de mim, será que você não se sente insignificante diante de mim?

– Tudo que você disse é uma grande verdade, sinto inveja de você, sinto insignificante diante de você, você é melhor que eu em tudo e sendo apenas parte do meu ser, estes são os seus últimos minutos de vida, nunca mais voltara a esta sala!

– Que não seja assim conceda-me mais uma noite de vida, preciso despedir do meu amor, preciso lhe dizer que em algum lugar estarei esperando por ela, que eu a amo tanto, quero beijá-la mais uma vez, aperta-la em meus braços com toda ternura, rolar naquela cama, não seja tão cruel assim, por favor, dê-me mais uma noite de vida, eu imploro!

– Sinto muito não posso revogar a minha decisão, dentro de poucos minutos vou assassinar você!

– Todo condenado tem direito a um último pedido!

– Pois então faça seu último pedido!

– Quando eu estiver morto, vá até aquela sala onde sempre encontro com o meu amor, você conhece todos os meus segredos, diga pra ela que por um motivo ou outro eu não mais poderei encontrá-la, mas que nunca vou deixar de amá-la, e que ela jamais me esqueça, que eu a amo do fundo do meu coração, e que em seus sonhos ela nunca deixe de procurar por mim, a procura terá que ser contínua, se persistir, em algum lugar ela haverá de encontrar o meu túmulo, e quando as suas lágrimas caírem sobre ele, eu renascerei, me libertarei do meu criador, e poderemos viver este grande amor que a inveja destruiu.

– Poxa! Quase me convenceu em lhe dar mais uns dias de vida, mas gostei da idéia do túmulo, você viverá pela eternidade dentro deste túmulo que você idealizou, adormecido ficará, se ela não desistir de procurá-lo na certa o encontrará, o tilintar de suas lágrimas sobre a sua lápide o trará de volta, renasceras, caso contrário, pela eternidade adormecido ficara.

– Melhor assim, e eu sei que ela não desistira da minha procura...

– Meu Outro Eu... Adeus!

– Meu Criador!... Adeus!

Não cumpri a promessa, me acovardei, temi também me apaixonar pelo amor do Meu Outro Eu, confesso que das vezes por curiosidade fui até aquela sala onde o Meu Outro Eu se encontrava com seu amor, somente espiava, e ela estava lá sozinha esperando por ele, meses se passaram e ela continua vindo todos os dias à sala, não sei o que destino reserva pra ela, mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza, ela jamais irá desistir da busca, da procura do grande amor de sua vida ... O Meu Outro Eu...