Senhora Dona Norma Culta
 
                      Permita-me que me apresente: Sou Edna Lopes, professora. Tenho 47 anos, 20 e tantos dos quais como profissional da Educação. Nasci de pai agricultor, mas dono de seu pedaço de chão e de mãe professora. Aos quatro anos aprendi a ler, aos sete entrei numa escola pública, mesmo ano em que conheci a luz elétrica. Na escola pública terminei o 2º grau aos dezessete e aos dezoito entrei numa universidade pública, colando grau aos vinte dois.  Fiz pós -graduação em Educação Popular e também em Coordenação Pedagógica para a Educação Básica, sendo aprovada nos dois únicos concursos públicos que já fiz na vida, que me garantem o sustento e a satisfação de atuar numa profissão, se não prestigiada, mas extremamente importante para o desenvolvimento de um povo, de uma nação.
                     Tudo isso para lhe dizer que antes, bem antes de me graduar já era professora em classes de crianças e depois em classes de jovens, de adultos e idosos esperançosos pela melhoria de suas vidas, de suas profissões através da educação, portanto minha experiência não só veio dos meus diplomas, nem dos tantos livros que li, nem dos congressos que participei e participo.
                    Tudo isso para lhe dizer também que nunca, nunquinha, meu fazer profissional se arvorou em assinar laudo, passar receita, fazer planta de casa, apresentar noticiário, instruir processo, construir casa ou fabricar móveis, e me causa espécie ver que, EM SEU NOME, especialistas de ocasião, opinam sobre uma realidade que conhecem talvez de ouvir falar, afinal o universo de pessoas adultas analfabetas ou analfabetas funcionais certamente está há anos luz da classe dirigente e intelectualizada desse país. Dos “imortais” então, nem se fala!
                 Lamento que EM SEU NOME se use “um texto, sem um contexto, para um pretexto”. Lamento mas ao mesmo tempo fico feliz porque a real face de um país se revela! O quanto somos manipuláveis, superficiais! O quanto somos intolerantes, impacientes!
                 Senhora Dona Norma Culta, nenhum, mas NENHUM PROFISSIONAL SÉRIO, seja ele professor, escritor, jornalista ou algo que o valha jamais irá dizer que SEU LUGAR não é também a escola. A sala de aula, espaço da pluralidade e do conhecimento é o lugar do acolhimento de TODAS as variantes da língua que ali devem ser expostas, ressignificadas, avaliadas, compreendidas, aprendidas.
                 Que fique bem claro: não sou da turma de quem quer que seja e não formulo opinião baseada em noticiários tendenciosos, em notas ou pronunciamentos superficiais, açodados, mas não me espanto com quem o faz. Quem é capaz de condecorar com sua mais alta honraria pessoas que NADA fizeram pela “flor do Lácio” é capaz de muitos mais equívocos e quem viver verá.
              A senhora continuará sendo a VARIANTE DE PRESTíGIO, fique tranquila! E jamais duvide o quanto sou sua defensora, o quanto me esforço para que quem comigo caminha compreenda-a e utilize-a quando tiver que se comunicar falando ou escrevendo.
               Mas reitero meu posicionamento: quem lhe defende como única só precisa ter ouvidos de ouvir e olhos de ver, não é? Que pena que não aprenderam, pra valer mesmo, aprender de apreender, de assimilar que a língua é de quem a usa e não de bolorentas gramáticas, não de arrogantes portadores de diplomas ou de imortalidade duvidosa.
                Quero concluir minha prosa com a Senhora lembrando um lindo poema do imortal, ao meu coração, Solano Trindade “Senhora Gramática / perdoai os meus pecados gramaticais. / Se não perdoardes senhora / eu errarei mais.”
                Senhora Dona Norma Culta, despeço-me. Serei aprendiz sempre, pois continuarei errando no intuito de acertar.
 
A foto é da exposição Menas: o certo do errado,  o errado do certo, no Museu da Língua Portuguesa em 2010...A língua mais viva que nunca, provocante, provocando...