Terça Feira
Terça feira, dia de recebermos a visita de sr Rubens!
"Seu Rubens" e pai do dono da empresa em que trabalho e todas as terças ele "teoricamente" vem dar uma olhadinha para ver como estão as coisas. Na "prática" não passa de um papeador de meia idade que sempre traz junto com seu terno um cheiro fétido de naftalina e mogno antigo.
Hoje porém já passava das onze meia da manhã e nem sinal dele.
Ao voltar do almoço me sentei, ainda com o gosto do cafézinho na boca e antes que pensasse em fazer qualquer coisa, alguém disse:
" - Lá vem ele! "
Como num passe de mágica estavam todos ao telefone ou fazendo coisas importantes, digitando documentos ou qualquer coisa que inibisse a aproximação dele.
Eu, ainda paralisada, mal tive tempo de pensar em nada enquanto ele atravessou a porta. Me vendo ali parada isso soou a ele quase como um convite ao bate-papo-chato que ele estava louc para iniciar.
Aproximou-se de mim com um sorriso tão largo como se fosse combinado o encontro.
Ele me cumprimentou e sentou-se a beira da minha mesa, apenas com a lateral da perna, tal como um professor colegial. Deu uma piscadela e me perguntou como estava, antes mesmo que pudesse responder começou a tagarelar.
Nem sei dizer como o assunto começara, porque seu bafo de conhaque me fez perder o raciocinio. Recuperada, começei a escutar todas as suas estripulias do arco da véia.
Me contou que foi a marselha com sua primeira esposa (ja estava na quinta ou sexta, e tinha orgulho disso; não fazia sequer idéia de que atestava seu fracasso emocional) e que lá passaram alguns meses em hotel luxuoso, em frente a praça principal da cidade.
Contou que em sua juventude, comprara um Opala (me encarando e frisando a sombrancelha tentando me fazer esboçar algum tipo de reação devido ao valor que um Opala deveria custar naquele tempo)
Limitei-me a balançar a cabeça e murmurar coisas do tipo "hum" e "hã-hã" de vez em quando tendo em mente que apesar de tudo tratava-se de seu Rubens...
Enquanto falava sem parar seu mau halito colou em meu nariz de tal forma que hora ou outra sentia voltando a boca o gosto do parmegianna que eu tinha almoçado.
Durante o infinito monólogo dele, eu me perguntei algumas vezes se de fato tudo isto havia ocorrido ou se faziam parte apenas do imaginario de um velho maluco e biriteiro.(obviamente nunca terei certeza)De modo que não faria diferença alguma realmente, continuei a ouvir suas invenções e teorias metafisicas(As vezes acredito que ele saiba realmente sobre o que está falando.)
Mas o fato é que nada acontecia para interromper aquela situação tão inusitada e ele parecia possuir todo tempo do mundo, nem mesmo quando dona Ana trouxe o café fresquinho o homem respirou; ele bebericava e tagarelava sucessivamente, mas confesso que o café amenizou o mau-hálito (o que já era algo consideravel)
Já estava a beira de uma "diarréia cerebral" quando meu telefone enfim tocou!
"-Alô ..."
"-Alô, oi amor tudo bem ?" respondeu a voz
Minha salvação!
"- Tudo bem sr Gustavo? estava mesmo esperando sua ligação, ja recebeu o e-mail com os documentos?"
"- Lá? quer que eu ligue depois?"
"- De forma alguma, aguarde que vou verificar..."
Ele se levantou e fez um gesto com as mãos sussurrando um tchawzinho, que eu logo tratei de responder simpaticamente. Ele atravessou a porta e eu voltei ao telefone... expliquei a situação ao meu namorado que obviamente rolou de rir.
Ao desligar o telefone olhei pela janela e lá estava Seu Rubens; sentado no bar a frente do escritório, apreciando mais um conhaque e alugando o ouvido de um garçom.
"Pobre Garçom!"