À NAMORADA QUE AINDA NÃO TENHO

Querida namorada que ainda não tenho:

Oi, estou escrevendo esta carta sem saber por que cometo tal insanidade. À namorada que ainda não tenho, para que, quando chegares e ocupares a minha vida, nos reconheçamos sem arrependimentos futuros. Talvez seja essa carta uma loucura desmedida, um esforço lançado em meio ao vazio. Mas farei diferente. Deixarei que as águas do mar conduzam e levem minha carta no vácuo da eternidade, na frieza penosa dos mares noturnos sem estrelas cintilantes. Já que não tenho seu endereço, desconheço seu nome e a sua existência, não a encontrarei, mas a minha carta lançada ao mar fará isso por mim. Enquanto isso, eu a espero, vinda de algum lugar, em resposta ao que enviei ao acaso.

Saiamos dos rodeios inesperados e sem cor, para os devaneios inéditos que contém a carta. Não peço muita coisa. Não me sinto neste direito. Adianto o que sou, enquanto escrevo, para que me reconheças, e peço que atenda às minhas esperanças, pois não quererei me decepcionar com minhas opiniões.

Antes de continuar a ler, precisa saber o eu sou, a cada dia, porque minha personalidade é tão mutável que é possível eu ter mudado completamente o meu eu quando fechar a rolha e lançar ao mar o veículo que conduzira um passo a mais em minha vida.

Sou poeta. Sonhador. Gosto de aventuras, mas sem ir para muito longe. Já fui até as estrelas e quase não voltei. Tenho medo. Possuo devaneios. Meu lado mal escreve contos, enquanto meu lado bom faz cartas. Às vezes gostamos de trocar as coisas, tanto que nem sei qual dos dois “eus” escreve agora. Minha capacidade de ouvir é maior que a habilidade de dormir, mas é menor que a facilidade que tenho de amar e superar todas as coisas. Algumas vezes transformo meu amor em palavras, e saem devaneios primitivos, banais, animais, divinos.

Quero fechar esta carta pedindo que, a destinatária que for escolhida pela garrafa, preencha uns poucos requisitos, para a boa convivência de nós dois. A sorteada necessita mudar comigo a cada dia, renovar-se. Nada de manter a relação na mesmice e terminar tudo em uma rotina desgastante. Ela pode ter um lado escuro, para acompanhar meus momentos diabólicos e depressivos. Há de vir com um “eu” angelical, porque meu lado bondoso, de tão idiota e indeciso, fica muito só. Quero que seja falante, para que cada palavra de amor que disser transforme-se em poesia. Que a capacidade de superar minhas mudanças seja igual à minha qualidade de amar. Que acordemos todos os dias, com promessas de renovação, renunciando a cada “eu” meu que não combinar com o seu, e acolhendo cada parte minha que se sentir carente de amor.

De: alguém misterioso com um sonho nada normal

damiaoaraujo
Enviado por damiaoaraujo em 15/05/2011
Reeditado em 16/05/2011
Código do texto: T2971605
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