DECRETO DE SOLIDÃO

Eu te vejo e nem imagino que há uma distância concreta entre nós

Ainda sinto a chuva no ponto de ônibus

Os beijos roubados num consentir sem limites

A vontade de voar para longe de tudo, ao teu lado

Roubo fotos caço versos que rasguei e guardei no pensamento

Não temos mais tempo, não somos mais nós

O que parecia eterno hoje caçoa de mim num papel amassado

E jogado sem razão na rua que ontem acabamos de limpar

Não trago mais a verve da poesia exposta

A morte me sonda feito naja

E quase rasgo os pulsos sem sentir nada

Está tudo acabado como na voz do poeta

Está tudo estanque e sem vida

Na paleta, onde antes, cores afloravam

Em nossos escassos retratos

Busco sonhos ao dormir

Busco tudo que quis e não pude realizar

Tudo que se fez promessa desfeita

Como prece para o santo errado

Ainda assim todas as coisas estão eivadas de amor sem fim

Todas as coisas estão assim ou quase assim

E a velha canção de Marina

Ainda passeia pela Orla

Por onde passávamos sem pressa

Sentindo o sal em nossas narinas

No cheirar a nuca de logo mais

Estou perdida. Sem caminho

Sem carinho que complete o que ficou no vazio

Sem teus dedos

Sem teu corpo de marcas invisíveis que dizias existir

Marcas feitas quando fizeste a cabeça

E te entregaste as tuas crenças tão azuis

Estou a um palmo de dizer não

A um passo de clamar sim

De dizer: Volta. Simplesmente.

Uma volta, que sei, só se faz no decorrer dos sonhos

Em meio aos mares nos quais posso te ver

Sem ousar tocar teus ombros

Para que me vejas também

Será que sentes a minha alma colada no teu peito

Onde costumava me deitar inteira e sem medo?

Será que te lembras das nossas andanças

Parando de bar em bar sem nada buscar?

Será que te lembras de lembrar-se de nós?

Não. Creio que não.

Definitiva e duramente,

A solidão é a única dama

A dançar lado a lado com a minha dor

E se não me consola

Ao menos me faz sentir que, em essência,

Continuamos a existir naquele ponto de ônibus

Molhados pela chuva e pelo prazer quase proibido,

Mas que sempre teve a leveza da luz

Que deixaste como trilha ao partir daqui.

Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 13/05/2011
Código do texto: T2968854
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