VÉSPERA - FOLHAS SOLTAS DE UM DIÁRIO DE VIAGEM

A viagem começa na véspera. Principalmente quando o caos está instaurado nos ares. Aeroportos cheios, passageiros dormindo longe dos sonhos encontados sobre a realidade da operação padrão dos controladores do espaço aéreo. Últimos preparativos, passagens, hotéis, passaporte... Ver e rever os documentos, olhar os cantos da casa, checar as contas, despedir-se, enfim, da rotina.

Faltam os cadeados. Inconscientemente destravei todas as trancas. As malas cheias de sonhos, roupas e acessórios insistem em não se deixarem aprisionar. Bagagem aberta ao novo nas esteiras ainda desconhecidas. Ansiedade e medo. Amanhã não debruçarei sobre a minha paisagem brincando com minha conhecida sombra. Serei paisagem emoldurada nos postais e nos mapas que trilhei nas expectativas. Estar longe e ser tão perto...

Talvez amanhã, num primeiro dia de esperas, consiga mensurar melhor o tempo partido e brincar com ele uma partida de xadrez para atropelar as horas e juntar os ponteiros na chegada. Eu e o velho continente. A estreita intimidade e o novo território...

Estações de sonhos entrecortados. A noite passa nos trilhos com o coração em hiatos. Amanhã continuarei a viagem. Levo o Livro do Desassossego do Fernando Pessoa, ou Bernardo Soares, na mala de mão. Insisto no tempo do grande poeta lusitano, na sensibilidade do poeta embriagado em versos e ferido com a lucidez da Tabacaria.

A bússola para as minhas escolhas está na alma poética e na possibilidade de trazer a vida à luz dos olhares mágicos que insistem em sombrear as palavras em muros seculares escondidos em heras.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 20/11/2006
Reeditado em 21/11/2006
Código do texto: T296662