[Chão Amarelo - O Caminhante]
Céu de laivos amarelados, sem pássaros no horizonte; não há asas para futurações. No amplo barranco verde, verde como o vômito da desesperança, uma rala camada de folhas mortas ponteia o chão de um amarelo pálido. É num rápido olhar de soslaio, num desvio da habitualidade amorfa, que esse barranco arranca de mim seu direito a uma incerta existência — pode ser apenas um desvão na paisagem dos meus olhos.
Rente ao barranco de duvidosa existência passa essa estrada sonolenta. Todas as manhãs, lá vou eu, sem questões pendentes, sem causas, sem razões aflitivas. As terríveis arapucas do passado, uma a uma desarmadas, agora são apenas gravetos a se esfarelarem ao tempo, sem nenhum poder de pressão, e sem causarem sofrimentos, ânsias... Eu piso esses gravetos, e sorrio... sorrio para os erros que penso ter cometido nas minhas relações com os outros; pudesse, eu simplesmente matava os outros...
Sinto, pelas minhas costas, o meu olhar-menino que se espanta com a minha partida daquele primitivo quintal de esperanças. E agora, na tardinha, observa-me erguer para o alto a concha das mãos vazias de onde escorrem as últimas gotas vindas da nascente do meu rio de vida.
Os meus pés rachados da secura, da poeira, palmilham esse chão amarelo... Amarelo mesmo, ou amarelo do meu olhar anêmico, sem vontade de nada ser? Será? Será? Tudo é, e não é! Uma coisa é certa: a Morte passou-me nos lábios um suave mel amarelado... Por isto, só por isto, sou superior aos outros nesse quesito: jamais me esqueço da Morte, e sei que o meu ser não se estende ao longo da linha dos tempos, não diviso paraísos além...
O contraponto dessa morte amarela é que agora, sim agora eu sei: desvesti-me de ilusões, vi que todo ideal é besteira, desacreditei das fainas dos homens, estou apto para os prazeres, estou apto para estar inteiro num qualquer mágico instante! Um pouco mais, e estarei apto até mesmo para proclamar a minha liberdade!
[Revertendo as turbinas, a gente vê que o céu é azul, perigoso de tantos pássaros, o Futuro é acidente de percurso, e o chão do Agora, oras... o chão é como sempre foi, é vermelho!]
[Penas do Desterro, 27 de abril de 2010]