—Fica filhinho. O inverno vagueia lá fora, levando nas asas brandas o gelo da morte. Espera; não tarda que os raios dourados do sol venham afugenta-lo pelo interior das furnas, ou pelas entranhas sombrias das úmidas cavernas. Fica meu filho!
—Não, mãe: quero ver as risonhas campinas por onde passeias todos os dias, quero saudar o regato que murmura além umas doces cantilenas; quero contemplar a floresta virgem, onde outrora meu pai viveu cantando os seu amores.
—Espera filhinho. Espera primeiro que a natureza te revista da cobertura quente das penas, espera que teus remígios se desenvolvam, para que possas rápido, rasgar a amplidão do espaço e fugir à fúria do falcão inimigo. Não abandone assim a concha morna do teu ninho. Fica, filho querido!
À avezinha não lhe valeram nem os ternos conselhos, nem o desespero da pobre mãe.
Fugiu do ninho; estendeu vôo pelo campo afora; entrou pelos bosques; sorveu o perfume delicioso das matas, e dali saindo, chegou à margem dum ribeiro, e banhou-se na linfa cristalina. Depois sobre um raio que beijava as águas, abriu pela primeira vez a gargantinha sonora, num canto suave e mavioso.
Quando de novo quis levantar o vôo, sentiu as débeis asas entorpecidas pela neve. Fez ainda um esforço supremo, mas, ao atravessar para a margem fronteira, tombou sobre as águas marulhosas e lá se foi arrastada pela corrente desaparecendo ao longe. Muito ao longe, seu vulto pequenino.


Nota:Encontrei esse texto num caderninho de ditados que pertence à minha mãe, ela o escreveu quando criança, há mais de cinqüenta anos. Não encontrei o nome do autor, ela não se lembra, seu professor não citou. Achei lindos tanto o texto quanto a letrinha miudinha dela. Se alguém souber do autor por gentileza me diga.