Primavera

O ar anda parado em meio ao sol que queima a sola do pé. Primavera febril de ozônio sugado no canudinho branco, vermelho listrado. E meus cabelos caem por todos os cantos. E pelos de gato. E gelo que não resolve, não derrete o calor. A cerveja desceu rolando, estupidamente oferecida por mais um bêbado entre tantos e tantas geladas. É primavera. Não me fale no Haiti, isso tira a fome. Muda o assunto e finge ver o vaso explodindo botões de flores que nem lembro mais as cores. Cinza? O cigarro. Um dia paro com isso ou continuo até ele me fazer parar de escrever o que sinto. Não esqueça de escrever o que não sente, também, e mais que isso. É um bando de malandros falando sem parar que não se escuta o assunto e mesmo assim brigam. O sambinha vai subindo na cabeça do rádio. Vou dançar. Lustrar os tacos, de meia. Meia com esse calor? Certo. Sem meias. Ainda não consigo escrever o que penso imaginar e assim vai a comitiva, buscando se entender em meio à tantas leis confusas. Ainda é primavera e o cara, do outro lado da ponte, fica olhando para a lua, esperando vai saber o que?!? A lua na primavera deve ser, assim, diferente da lua de verão, de inverno de outono. Pensei que fossem os olhos que mudassem ou coisa parecida. O edredom está mais quente, quase o Saara da jujujujuju e de outros beduínos. Quase escrevi babuíno. Isso é macaco de bunda vermelha, eu acho. Bunda vermelha desse sol que não para de raiar e nem reclamo, bebendo água de frutas geladas no ponto de ônibus. A primavera não finda e eu ainda estou só. E, tirando os olhos daquele que me seguiu naquela avenida, numa noite de dias atrás, não tenho olhos de olhar outro que me queira como me quero. Fui no mangue catar lixo e perdi o resto da canção. Sei que fala de urubus e caranguejos ( ou seriam siris?). O sol queima e queimando dissolve meus pensamentos de escrever algo que nem sei e caio na mesmice de me mostrar em letras. E, enfim. Primavera.

Paula Cury
Enviado por Paula Cury em 30/06/2005
Código do texto: T29304
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