Holocausto Nunca Mais —PsyCity VIII (Romance Neo-Pós-Moderno)

O EXTERMINADOR ORBITAL DA

"DEMOCRACIA DO PÓS-GUERRA

& CIA. GESTAPO GLOBALIZADA"

Dezenas de monges vestidos com batinas cor de ocre, encarapuçados, trabalham em frente a dois grandes painéis circulares, numa sala subterrânea fechada. Frontalmente a eles estão fotografias de líderes mundiais, e cientistas nazis. Alguns têm os capuzes das batinas abaixados, encobrindo as nucas. Meia dúzia deles parece estar em transe.

Soldados e oficiais do exército alemão encontram-se do outro lado dos painéis transparentes. De frente para os cenobitas, estão a empatizar a maneira de lidar com as instruções de aprendizado que os monges, em transe mediúnico, estão a lhes passar. Repetem verbalmente fórmulas, transcrevem equações, manuseiam protótipos de mísseis, e fazem uma espécie de treinamento:

Cada um deles simula a montagem de centenas de peças de um projeto denominado Exterminador Orbital, com satélites circulando em volta do planeta, a 50 quilômetros de altitude, posicionados em órbita por foguetes, no dorso dos quais vêem-se o logotipo nazi, a cruz gamada do mal, e a sigla T-4A.

Simultaneamente, em Berlim, cientistas alemães, responsáveis pelos mísseis Wasserfall, com sensores infravermelhos, produzidos aos milhares pelo complexo industrialmilitar do III Reich, o “Reich dos Mil Anos”, reúnem-se numa sala de projetos bélicos e pesquisas militares. Planejam as sequências táticas da máquina de guerra do “fuhrer”.

Às duas horas da manhã, em 21 de abril de 1944, noite de luar aberto, noventa militares da Gestapo fazem o caminho inverso ao trilhado pela Expedição Norton, através do paredão subterrâneo de pedra, escalando com facilidade os orifícios que os separam da plataforma e do caminho até o exterior da Serra do Roncador.

Ao chegarem do lado de fora, são recebidos por oficiais nazis e índios da tribo morcego que os conduzem, via trilhas na selva, até onde estão ancorados alguns barcos nas margens de um rio amazônico.

Os índios morcegos dispersam-se após o embarque da tropa, por um oficial nazi que esbraveja ordens traduzidas em direção ao líder da tribo. Os morcegos foram substituídos pelos mais competentes navegadores do Xingu, os kalapalos.

O luar ilumina todo o percurso dos barcos. Motores de popa acionados no limite de suas capacidades cruzam a superfície verde das águas luzidias e esverdeadas. Tamanha a limpidez das mesmas, se pode observar o leito de areia muito branca, onde cresce a vegetação de brejo e pântano, entre milhares de pequenas ilhas e canais.

Mas os soldados zumbis parecem não ter ânimo para mais nada que não seja olhar fíxo num ponto distante, condicionados unicamente a atingir o objetivo determinado pela missão, como se suas vidas tivessem se transformado num único hipnótico e mórbido fenômeno. Ignoram a resplandecente beleza da paisagem tropical, condicionados apenas a cumprir determinadas ordens, os olhos vidrados na meta nazi: “Nossa honra é obedecer”. Como se obedecer a uma cega e fanática hierarquia de alienação fosse demonstração de coragem ou virtude.

Esses “goléns nazis”, cuja única finalidade externa é honrar a vida militar de obediência cega, trazem no braço esquerdo uma tarja de pano preto em meio a qual vê-se a reprodução do logotipo do III Reich: a cruz suástica de rotação invertida, utilizada em fundo preto e pintada com a cor do sangue, a significar: poder, morte e involução.

Os soldados ignoram tudo, exceto cumprir a missão que têm de chegar a determinado local na Alemanha, e repassar informações científicas. A magia lêmure, semelhante à oriental, baseia-se na obediência irracional. Ela faz com que percam a razão, ou que a razão não seja mais que um subproduto de interesses que nada têm com metas pessoais, mas com objetivos de poder mais amplos, para os quais as tropas do exército do III Reich, não passam de meios para atingir fins e propósitos há muito fixados.

Alucinados pela motivação maquiavélica dos instintos cromagnon, em pleno estado de compulsão manifesta do mal, estão sob comando, comunicação e controle do poder e da força de uma hierarquia irracional. Não são pagos para pensar, mas para trabalhar pela viabilização a rápido, curto, médio e longo prazos, dos desígnios militares do “Reich de Mil Anos”.

Os barcos chegam ao píer próximo a um aeroporto secreto no coração da selva amazônica. Os militares nazis embarcam numa aeronave Boeing, capturada dos Aliados, em direção a Berlin. Não precisam de alimentação orgânica, são energizados psi. Não dirão nada a ninguém nem se alimentarão de outra coisa que não seja da vontade, dos mantras mentais lemurianos. Energizam-se deles, o suficiente para mantê-los vivos até o cumprimento da missão, mesmo que essa missão possa durar semanas ou meses.

Quando chegam a Berlin, são encaminhados até uma sala do Reichstag. Os principais cientistas do Reich, membros da equipe do dr. Von Braun, estão reunidos em torno de dois painéis transparentes: um vertical e outro horizontalizado. Situadas na confluência dos dois painéis, duas caveiras de cristal inteiriças, sem inclusões ou cortes, ligadas entre si na parte posterior dos crânios, com arcadas dentárias completas, a princípio posicionadas na direção ocidente/oriente, começam a girar lentamente, completando voltas de 360º, no sentido da cruz gamada nazista. Do outro lado da sala estão sentados duas dúzias de soldados, dos que há três dias haviam embarcado no Boeing no aeroporto amazônico secreto.

Os cientistas ouvem e vêem as manipulações das milhares de pequenas peças, objetos de um puzzle, pelos militares. “Eles” as transformam, gradativamente, em foguetes, mísseis, rampas de lançamento, satélites, plataformas espaciais. Após as demonstrações filmadas, que duram dezoito horas, três turnos de seis horas, com três equipes de soldados e oficiais demonstradores revezando-se na montagem dos protótipos.

Terminadas as dezoito horas, os oficiais da Gestapo e os cientistas sob o comando de Von Braun, têm à frente uma estação orbital que por certo serviu de base, no pós-guerra, ao projeto americano Guerra nas Estrelas. A finalidade deste projeto está em exercer vigilância nas camadas mais externas da aeropausa, de modo a melhor observar e monitorar o tráfego de satélites, estações orbitais e a possível entrada na atmosfera terrestre de objetos voadores não-identificados.

No pós-guerra, planos esquemáticos e maquetes foram confiscados por oficiais do exército Aliado que passaram a disputar a aquisição dos conhecimentos da “inteligência” científica nazi. Seus cientistas tinham revolucionado a tecnologia bélica de domínio, comando, comunicação e controle destinado ao domínio planetário.

Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia, todos gostariam de tê-los a serviço dos respectivos governos, com a finalidade de, antes que outros consigam ser os primeiros a lograr êxito na continuidade dos projetos alemães que não puderam ser viabilizados antes da queda de Berlin.

Os membros da Expedição Norton vêem claramente estes flashes subliminares da História. É como se seus psiquismos tivessem voltado no tempo, e estivessem a fazer parte de um game onírico virtual sobre os meandros do processo de aquisição, no pós-guerra, da tecnologia de ponta ocidental. Para eles, em estado sonambúlico, parece incompreensível esta visão geral, menos formal e acadêmica, de como a História estava acontecendo, sem que nem os serviços de espionagem Aliados se desse conta.

Fatos de bastidores jamais constarão dos livros da História Oficial da II Grande Guerra, como se as pessoas estivessem condenadas a ficar na ignorância de eventos decisivos, que aconteceram nas coxias desse II Conflito Mundial, que ora se desdobra sob a influência da tecnologia de ponta do “Reich dos Mil Anos”, promovidas pelos países líderes do Mundo Globalizado pela alienação.

Os cinco membros da Expedição Norton, por estarem todos à mercê dessa corrente pulsante de energia virtual lemuriana, têm acesso a todas estas informações através do estado psi no qual estão mergulhados, sob o efeito, talvez, de alguma droga mental sutilíssima, que permite a eles o privilégio de estar, de algum modo inexplicável, representando o papel de observadores de uma realidade que, têm certeza, os serviços da espionagem aliada não puderam rastear, nem dela tiveram conhecimento, até a divulgação do “Arquivo Jângal”.

A TECNOLOGIA

DE PONTA DO

REICH “EX-MÁQUINA”

Os membros da Expedição Norton sabem que estão numa realidade de tempo paralela. Essas coisas jamais poderiam estar acontecendo no tempo normal, se estivessem despertos: os países ocidentais do 1º Mundo, ainda hoje copiam os modelos das aeronaves alemãs, que dispunham de inacreditáveis progressos tecnológicos entre 39/45.

A II Guerra se desdobra em suas mentes como um filme virtual da tvgost. Cientistas alemães estão em vias de fazer testes com bombas nucleares orbitais, que seriam lançadas em territórios Aliados por míssil tipo T-4A, tendo nos bojos artefatos atômicos. No último ano do século XXI, mês julho de 2000, pela terceira vez, o projeto militar do Pentágono/NASA, no governo Clinton, teve, inexplicavelmente, apesar do empenho do complexo industrial-militar dos EUA, frustrados seus objetivos experimentais nesse sentido.

Simultaneamente, em todas as localidades do planeta onde esteja presente um monitor tvvisivo, os tvespectadores observam as V-1, V-2 e V-3, os foguetesbomba, os sinistros mísseis Wasserfall, com sensores infravermelhos, a caçarem aeronaves aliadas até derrubá-las, como se os filmes sobre os combates aéreos na II Grande Guerra estivessem em moda. A mídia tvvirtual tem esse poder. Ela atualiza as imagens digitalizadas dos combates da II GG.

Os grandes jornais diários das maiores cidades do planeta noticiam as façanhas modernas dos equipamentos aeromilitares dos Estados Unidos, da França, da Rússia e da Inglaterra, que foram copiados da Alemanha do “fuhrer”, a exemplo dos Föhn, Natter, Enzian, Taifun. Um conhecido âncora de um jornal tvvisivo no horário das dezenove, faz comentários sobre as aeronaves Schmetterling, da II Guerra Mundial, equipadas com detonadores acústicos:

— Elas seguiam, os caças aliados a partir do ruído dos motores, e os destruíam, no campus aéreo da II Guerra, como mostrou o “fulltime movie" de hoje, por voltas das 15 horas.

Os noticiosos se transformam em divulgadores, mais que ocasionais, dos eventos cinematográficos da tvvirtual. Nos cadernos de política internacional, os jornais impressos abrem espaço para matérias comentadas sobre os Rotkäppchen X-7, e outros superaviões tipo Natter/BA-349, e Harrier, que com outras denominações, voltam a fazer sucesso, com seus computadores de bordo, nas feiras de navegação aérea. Aeronaves a turboreação que estavam sendo desenvolvidas, simultaneamente aos caças Convair XFY, Lookeed XFV-1, Sparrow, Boeing 747, Douglas Nike, no período do boom "higitec", 1939/1945, do “Reich dos Mil Anos”.

Nos subterrâneos lemurianos da Serra do Roncador, Tauil, Rossi, Norton, Vassari e Hermann, permanecem imersos nas visões oníricas da estratégia bélica dos mestres subterrâneos da Ordem Negra, para dominar a Terra, usando para isto, como catalisador, o movimento nazista, gerenciado pelo médium e fuhrer Adolfo Hitler. Da membrana pituitária dos integrantes da Expedição Norton, começa a sair uma tênue névoa. Às visões daquelas realidades políticas e econômicas do tempo da II Grande Guerra, somam-se outras, de caráter pessoal.

Do alto do platô, um monge lemuriano observa a bruma destacar-se dos corpos, à altura das cavidades articulares, tendões e saliências ósseas, para logo depois formarem uma espécie de duplicação, do corpo etéreo, de cada um deles. Vistos do ponto de vista externo, os corpos são projeções transparentes, tipo laser, de toda a estrutura óssea, organobiológica, de suas anatomias.

O monge chega-se à beirada superior do platô, olhos fechados, estende suavemente, de baixo para cima, os braços à frente do corpo. Dele desprende-se uma projeção, que, tão logo liberta da pele, encontra-se ao lado do corpo de Tauil. Ele agacha-se em posição de lótus e puxa para fora da manga da batina, os longos e ósseos dedos que se projetam para dentro do crânio da fotógrafa em direção à glândula pineal. A manopla pára a poucos centímetros da caixa óssea. Os dedos, indicador e polegar, alongam-se e tênuemente, com pontas que mais parecem pinças finíssimas, massageiam o corpúsculo oval situado por cima e por trás das camadas óticas.

O frade desse cenóbio subterrâneo da Serra do Roncador ao finalizar esses procedimentos com os outros membros da Expedição Norton, teletransporta-se para o corpo físico no alto do platô. Abre os olhos e vê os corpos, físico e etéreo dos expedicionários, flutuarem entre trinta e sessenta centímetros do solo. Lentamente, cada um dos corpos etéreos, projeções a laser dos corpos físicos, penetram nestes, e pousam lentamente no chão.

Na sequência do transe, eles compreendem que a fome de horror e de dor dos humanos, da qual se alimenta o cristal lemuriano, no subterrâneo de suas mentes, é apenas um sintoma do estabelecimento do estado beligerante vigente no mundo do “Reich dos Mil Anos”, pós Guerra-Fria. É a Terceira Guerra Mundial Silenciosa (não declarada), em pleno andamento. Tal fome não terminaria, exceto, talvez, no ano 3000, quando novos andamentos do “Reich dos Mil Anos” seriam postos em prática, e o termo ganharia outras atualizações, tipo nova ordem planetária ou neoglobalização neológicapós-moderna: a essência intencional do RMA permaneceria igual.

O transe os ajuda a compreender que a Segunda Guerra foi uma catálise mundial, uma espécie de comoção emocional induzida inconscientemente, um atalho que serviu para aumentar a velocidade da reação química dos corpos e mentes, pela presença e atuação de uma substância orgânica base (catálise heterogênea), que não se altera no processo: a excitação emotiva excepcional a serviço do atalho (suposto salto qualitativo), do progresso tecnológico informatizado.

Os membros da Expedição compreendem a mensagem: Esse catalisador universal, nesse processo de comando, comunicação e controle planetário, foi o movimento nazista, cujas fórmulas, pseudamente combatidas, na verdade, a partir do pós-guerra, foram literalmente copiadas pelos governos Aliados, e estão fazendo a realidade planetária acontecer do jeito que acontece: “democrática”, política, econômica e covardemente globalizada.

Para os lemurianos, fazer eclodir a Segunda Guerra Mundial, não era tão importante quanto os desdobramentos da realidade pós-guerra. O resultado final, do conflito, a aparente vitória dos Aliados, foi evento de somenos importância. Os meios faziam acontecer os fins. Maquiavelicamente.

Instalou-se a tecnologia bélica informatizada, a globalização da compulsão cromagnon informatizada: dirigida para consumir toneladas do lixo "hightech". Mudaram totalmente os interesses culturais do conteúdo emocional, das necessidades orgânicas dos seres humanos. As gerações, hoje, estão mais distantes, em sua formação e propósitos, do que duas pessoas que nasceram separadas por cem anos de solidão.

A embaixada que os lemurianos mantinham no coração das trevas do III Reich era representativa da finalidade de perverter o núcleo emocional/mental dos atuais descendentes sapiens/demens sapiens: as novas gerações, inúteens, exceto para o consumo, paridas, apenas e suficientemente, para consumir avidamente mercadorias: fanáticas de latarias envernizadas, eletrodomésticos e automóveis informatizados. E têm este objetivo como meta inicial e terminal de suas vidas. Não mais são humanas no sentido emocional de humanidade. Toda essa compreensão dessas realidades desliza nas mentes inconscientes, como um rio subterrâneo, pelo sangue, pelas sinapses e neurônios, pelos pêlos dos membros da Expedição Norton.

A pantomima do monge, a massagem na glândula das funções endocranianas, conduz os membros da Expedição à percepção de que os cientistas terrenos desconhecem a maneira irreversível, através da qual, são afetadas as condições de sobrevivência humana e do ambiente etérico do homem: suas formas equivocadas de pensar e agir. Os inúteens não mais podem ser salvos das forças mentais sutis que se estabeleceram, que fecharam o coração e a mente da descendência sapiens/demens sapiens para outras influências, exceto as que impedem suas mentes de ressoar aos apelos do amor, da solidariedade e dos Espíritos Superiores da Luz.

Compreendem que cada sonoridade passada, presente e futura do mundo visível, ressoam no reino invisível, provoca as reações de um complexo de frequências em cada um e em todos os seres vivos. Frequências estas que provocam ressonâncias, pessoal e coletiva, a cada uma respiração humana.

Revela-se para eles que os lemurianos conhecem em que frequência vibra a específica forma de vida, interior e externa, dos humanos. Cada conflito pessoal mantém a força de ressonância do cristal lemuriano no interior da Terra, no interior das mentes. No interior das emoções. Esse cristal está em permanente conexão com o que os terrenos chamam de inconsciente coletivo. As revelações do “Arquivo Jângal”, agora se tornam mais compreensíveis às mentes menos embotadas de Tauil e Rossi.

Nesse cristal está o segredo da árvore da vida terrena, em perene e obediente conexão com o karma das forças primitivas de seus antepassados. Para os inúteens não sobrou muito, além de cumprir ou descumprir o slogan da Gestapo: “Nossa honra é obedecer”. Obedecer, real e subliminarmente aos desmandos do consumo do Mercado. “Nossa honra: ser soldados do marketing consumista, ser outro ignocrata do colarinho branco. Os que não aceitarem essa destinação limitada têm a opção de tornarem-se rebeldes sem causa”.

Os cinco membros da Expedição Norton percebem nitidamente o alcance e as intenções, o sentido apocalíptico, egoísta, do que chamam de “ordem e progresso” globalizados: todos submersos perversamente nas leis do todo poderoso chefão: o mercado. É como se as pessoas devessem ficar satisfeitas com o sucesso do desastre.

As cenas de destruição são estetizadas na tvvisão. Os locutores dos jornais tvvisivos parecem querer convencer, que, afinal, elas produzem uma catarse geral, se vistas pelo lado positivo, diminuem a superpopulação global, com as guerras civis internas, a ultraviolência ameaçando a todos nas ruas das cidades, até as menos habitadas, da aldeia globalizada: Terra.

Os membros da Expedição têm certeza de que a soma dos seres humanos não compõe uma raça humana. Uma raça quer dizer uma unidade de vida, de objetivos, de atividades e interesses. O que se pode ver todos os dias nas ruas das cidades humanas é o contrário: a diversidade dos interesses entrando em choque a todos os momentos e em todos os lugares, devido, principalmente, à falta de Ética dos administradores nos parlamentos, no exercício de seus mandatos.

Sabem que sem Ética inexiste civilização. E qualquer cultura, por mais desenvolvida seja, é uma cultura do e para o caos. A convicção de que são parte de uma cultura sem Ética, na qual a transcendência está sumariamente proibida. A qualidade perceptiva é execrada, queimada viva nas fogueiras das inquisições que ardem em todas as cabeças e lugares, todo tempo.

Sabem que os acontecimentos inauditos, inusitados, inaturais, que agitaram os ânimos pelo país afora, são apenas uma ponta do iceberg. Uma leve demonstração do que está por vir. Todos os segmentos marginalizados financeira e economicamente da sociedade, encontram uma forma de se rebelar contra a desumanização dos indivíduos, gerida pela superestrutura da sociedade, administrada por influências à “boiardos do Pelourinho” e quejandos.

Os membros da Expedição Norton sentem-se numa realidade paralela. Vassari e Norton tentam fazer valer os treinamentos militares para ocasiões de estarem prisioneiros do inimigo, sob algum tipo de influências e motivações, modelo lavagem cerebral. Balbuciam números, e nomes de identificações, praguejam artigos e incisos da Convenção de Genebra, como se fossem prisioneiros de guerra, tentam, a todo custo, manter viva a memória de suas respectivas patentes militares, como se estivessem submetidos a interrogatório inimigo. Deliram.

O pessoal da Expedição Norton não tem certeza de que todas essas visões dos acontecimentos correspondem à realidade negada nos livros de História, ou se realmente aconteceram e acontecem nestas circunstâncias embaraçosas, sugeridas pelas visões oníricas nas quais estão submersos.

Hermann está a esforçar-se para conseguir reagir à situação de torpor. Tenta inutilmente dobrar o tronco, impulsionando-o na direção vertical, sentar-se, em vão: o corpo não sai da horizontal, começa a flutuar, outra vez, meio inconsciente, a poucos centímetros do chão. Inútil reagir à indução pertinente dessa intencionalidade, contra a qual nada pode fazer, exceto abandonar-se ao fluxo, à semiconsciência incomum de uma percepção além da sensorial.

Querer interferir, interromper, este movimento alternado, esta fluida radiação eletromentalmagnética, é como querer estagnar o movimento periódico das ondas do mar, ou privar a vida noturna de anoitecer, ou o sol e a lua de alternarem-se em dia e noite.

OS SARKOPHÁGOS

E OS

CONTATOS

DO 4º GRAU

Tauil abandona-se ao sono induzido, imersa na magia lemuriana, milagre de transubstanciação perceptiva, de atualização radical de sua mundividência. Quanto mais tenta reagir às motivações da força indutora, mais se dilui no cansaço, na exaustão, no mal-estar. Compreende ser tolice querer reagir. Sente-se melhor agora, ao aceitar o fluxo sobrenatural, a provocar essas sensações interditas em seu módulo mental perceptivo renovado. Afinal, é bom estar aqui, vivenciar essas vidas, esses comportamentos múltiplos, essa “esquizofrenia” entre aspas.

A timidez e o medo cedem lugar a uma completa imersão. Está à mercê desta mente maior, livre, agradecida e envergonhada da condição perceptiva anterior, tão limitada, tão humana, na imprecisão dos ressentimentos, no medo, na tensão, na lentidão e imponderabilidade.

Talvez não perceba, mas seu corpo está a flutuar a um palmo do solo. Normalmente os sentidos restringiam a percepção mais profunda de si mesma. Agora vivencia seus horrores com naturalidade. Os horrores que a cultura e a civilização, através dos últimos milênios de “modernidade” e neo-pós-modernidade, fizeram-na envergonhar-se do passado de sua raça, de si mesma. Principalmente do presente, e do que o futuro pode reservar. Um futuro onde os vivos poderão vir a ter inveja dos que morreram.

Sim, aceita que seus ancestrais tenham sido esses terríveis seres simiescos que perseguem outros, e após capturá-los, cortam pedaços de seus membros para comê-los mal-assados. Este comportamento primitivo está, hoje, mais vivo do que nunca. As pessoas compram partes dos membros de cadáveres para consumir. As inocentes latarias dos supermercados, não passam, realmente, de pedaços de outros seres, pedaços industrializados, desumanizados, mais-valia do trabalho, em oferta nas promoções dos varejões de fim de semana. A propaganda de enlatados e eletrodomésticos sofisticados dá seu recado: “Foda-se quem estiver cheio de se sentir vazio”. O mercado é a lei: “A lei é dura, mas é lei”.

Tauil sente-se outra vez aquela antropóide de há tantos milhares de anos. Agora não mais está presa à árvore genealógica, por uma amarra de fios vegetais a gritar de pavor, de raiva, de ódio, ira, ressentimento e dor. Agora seus membros estão sendo devorados via enlatados sofisticados, importados, por caninos transplantados nos consultórios odontológicos com ar refrigerado.

Tauil sente que seus companheiros do Neolítico não estão mais acocorados ao redor da fogueira, na qual, de quando em vez, mergulham nas chamas, pedaços dos membros de outros seres de sua espécie. Agora seus iguais estão confortavelmente sentados nas poltronas ergométricas em volta da fogueira neo-pós-primitiva da Internet e da tvvisão. Mas as vítimas continuam banhadas em sangue, causa e efeito da mesma compulsão de há tanto tempo.

Nas fogueiras crepitantes de modernidade, de crianças desnutridas, drogadas, morando nas ruas, exploradas e assassinadas como queima de arquivo. Seus semelhantes continuam devorados por outros de sua espécie nas delegacias, nas favelas, nos massacres institucionalizados diariamente nas ruas da cidade.

Os liquens, apesar das vacinas, continuam pegajosos, escorrendo das fossas nasais, misturando-se à carne mal-assada, por vezes queimando nela uma lasca de brasa viva, pequenas farpas grudando-se aos lábios e às gengivas babantes de gula, de iguarias prontas, em poucos segundos, no forno de microondas. O milho das pipocas quebra entredentes, a língua estala ao sabor do refrigerante diet, geladinho. Tauil revive a ancestral como se tivesse voltado no tempo. Ambas é ela mesma: seus medos, suas culpas, sua vida civilizada. Tão antiga tão atual.

Nem tenta explicar estar aqui e tão distante, tão perto e tão longe de si mesma. Chega próxima à mulher desmaiada, um dos membros cortado pela metade. A curiosidade nela cutuca a vítima com os dedos, como a se certificar de que a outra não pode reagir, agredi-la. Uma cutucada, um recuo, até ter certeza de que não há mais perigo em aproximar-se.

Aos poucos se aproxima. Receosa, com medo, mas mais perto, ainda que mantendo uma certa distância. Move o pescoço para os lados a perscrutar uma coisa não tão estranha. Uhhgh! Descobre o quanto é parecida com ela, a prisioneira do grupo de trogloditas do qual é parte. Grunnch, chega a apalpar suas faces com as pontas dos dedos... Quanquhi, uga-uga, pressente não ser tão diferente da outras, quem sabe, poderia ser ela mesma a capturada. E estar sofrendo esses horrores, se tivesse sido aprisionada por membros da tribo rival. Vai encontrando similaridades, como se a musculatura facial da mulher desmaiada, contraídas, ambas, pelo pânico e pela dor, pudesse, ocasionalmente, ser a sua. Ser únicas.

Pela primeira vez, mesmo sem suspeitar, olha-se no espelho perturbador da identidade racial. Joga fora, raivosa, a mão chamuscada, como se a descobrir o absurdo que é devorar-se. Os dedos da destra descem aos seios cortados da outra. Os membros pendentes, amarrados ao galho baixo de uma árvore. As falanges da mão esquerda enlameadas, as unhas imundas, algumas quebradas, as outras, na mão direita tentam, talvez pela primeira vez, uma carícia no pé esquerdo ferido, sangrando, da outra, ela mesma, apalpa as próprias mamas... Ahnnhhnn...

Descoberta... Os seios da outra poderiam ser os seus... Imagina o horror de tê-los cortados. As pálpebras abrem-se muito, enquanto o rosto pende para os lados, em movimentos lentos e interrogativos, buscando se reconhecer, penetrar-se. Pela primeira vez promove esse jogo dos espelhos: vê-se na outra. Sente o horror da situação de dor e desespero da experiência da outra em si mesma.

Confiante, engendra, talvez, o primeiro gesto consciente de carinho de um membro feminino para outro da mesma raça e sexo. Uhhurrhh, gluggrun, com a palma da mão a face da outra, ela mesma, resmunga, fica a grunhir, emite sons aflitos, apalpa a face dolorosa, enquanto o polegar roça os lábios da outra. Súbito, a surpresa, o susto e o grito. A segunda mantém, por momentos, seu dedo perscrutador entredentes, numa mordida que decepou o catapiolhos, não outros dedos, por tê-los puxado para fora da bocarra agonizante, com rapidez.

— Aiiaiaiaiaiaiiaiuhnnahh. O berro de susto, de dor. Como poderia a outra estar viva depois de devorados tantos pedaços do corpo ? O pedaço do dedo decepado pende dos lábios, sanguinolento da mulher dilacerada para satisfazer as necessidades de alimentação de sua tribo. Ela ainda encontra forças para olhar nos olhos da outra e cuspir seu pedaço de dedo. Ela, a outra. Dor, essa dor, como pode ser tão resistente ? Vê-se, enquanto cura-se da perda, da ferida, pelos dias que passavam, nômades, pelas savanas, pantanais e selvas, sem condições de admirar as folhas de relva que os pés nus pisavam sobre o orvalho, nas jornadas de fuga, de medo, de migração.

O quanto deve ter sofrido a mulher capturada e devorada por membros canibais de sua tribo. É como se a outra a observasse de muito perto, de dentro dela mesma. Com seus próprios olhos. Sentiu o que deveria muitos milênios depois ser chamado de angústia. Ela era a Adriane primitiva. Não poderia culpar-se hoje por ter comido a carne da outra, por ter tirado pedaços de seu corpo, por ter provocado toda aquela mágoa e aflição. Como a Adriane primitiva, pré-histórica, poderia saber o que significava condicionamento? A perversidade natural da sobrevivência das espécies. Ainda se vivia às custas da barbárie, apesar do progresso tecnológico, a sociedade continuava igualmente antropofágica, em mãos dos Canibais da Diplomacia.

Se o dedo decepado dela causava tanto incômodo, tanta dor, que dizer dos membros maiores da vítima canibalizada? Adriane imagina: Talvez neste momento haja surgido a primeira centelha de humanização da raça a partir de emoções associadas à dor múltipla generalizada, de uma, e a dor do dedo mindinho decepado pelos dentes da outra, sobrevivente. Quantas vezes mais teria de justificar essa dor? De causar essa aflição e dela se alimentar?

Tauil sente que nasceu há muito esse princípio nela, a centelha de sentir a dor do outro como sendo dela. Continuaria quanto tempo cúmplice dessa violência? Comer-se, devorar-se, atear ao fogo pedaços do corpo que poderia ser o seu.

A centelha da civilização talvez tenha começado nesta circunstância tão antiga, tão esquecida, quando o parque industrial do plistocênico produzia as pontas de La Gravette, de ossos, raspadeiras, buris, folhas de loureiro, micrólitos de sílex, azagaias, arpões de esgalho de rena. Quando seus avós pitecantropos e neandertais mal tinham originado seus descendentes sapiens/demens sapiens: os Grimaldi, os Cromagnon, os Chancelade.

A linguagem expressa em síntese sintagmática pela emissão sonora do léxico pré-histórico “UGA-UGA” servia para expressar não apenas a experiência de mundo real exterior aos sujeitos habitantes das cavernas. Reportava-se, presumo, também aos princípios de comunicação dos hominídeos com significados inerentes aos textos falados de comum acordo nas interações proximais da intimidade das cavernas:

— “UGA-UGA” (“o fogo precisa de lenha: BRR. Grrr”)! — Significado suposto.

— “UGA-UGA” (“do céu está caindo frio: Brr.Grwhi”)! — Significado suposto.

— “UGA-UGA” (“a dona Punk pariu e comeu o bacuri”)! — Significado suposto.

Enfim, é possível que não houvesse nenhuma elaboração mental da linguagem, apenas ruídos mentais confusos. Confusos e de significação variegada. E suposta. Os significados potenciais estavam começando a ser elaborados nos confins desconhecidos do inconsciente coletivo primal. Inconsciente coletivo ameaçado e ameaçador.

Depois de decepado o dedo, um companheiro vem em seu socorro, com um pedaço de osso na mão, ameaça bater na mulher que, em definitivo, havia fechado pela última vez os olhos no rosto lesionado, contundido pela mágoa, pelo sofrimento físico e pelo desespero. Tauil arreganha os maxilares ameaçadoramente para ele, como se a proteger a prisioneira canibalizada, agredida, morta.

Surpreso e sentindo-se ameaçado, o hominídeo golpeia-a, o nó da extremidade do osso atinge o lado direito do crânio. Ela desmaia. Growwwhul... Ele olha para a outra, dependurada, no galho da árvore, sem vida, sem compreender ou suspeitar, nem de longe, da comunicação profunda, da identificação anímica entre as duas.

Rossi, grunhindo, vê-se aproximar da mulher sem sentidos. Tauil emite uma série de gemidos que soam como lamentações. Estaria morta, teria sido mortal o golpe na companheira? Estranho: como se estivesse na pré-história e a mulher estendida na sua frente fosse uma ancestral de Tauil, e ele, o jornalista, esse homem cromagnon, que a atingiu há milhares de anos. Ainda agora se sente como se fosse uma extensão, no continuum espaçotempo, do brucutu ancestral.

Aos poucos Adriane desperta na tenda. Enquanto emerge daquele momento especial, há milênios, ainda não está ao todo de volta ao século XXI. Percebe que aquele gesto de solidariedade com uma pessoa de seu sexo e de sua raça a fizera sentir-se muito melhor, agora, tantos milênios depois. O canibalismo apenas supostamente acabou. Continua camuflado na concentração criminosa e impune da riqueza social nas mãos de poucos trogloditas do colarinho branco.

Rossi sorri para ela de um outro tempo. Ambos compreendem: apesar de toda a brutalidade, o canibalismo e o horror, havia, há muito, muito tempo, alguma ligação emocional entre eles. Gostaria de dizer sentimento, ternura, mas talvez não fosse nada disso. Seus ancestrais juntavam-se em grupo não para se amarem, mas com medo de ser devorados pelos outros da mesma espécie em busca de alimento para seus estômagos famintos.

Tauil, Rossi, haviam voltado a ser, intensamente, aquelas criaturas do passado remoto, sob o efeito da energia primal que permeava aquele ambiente subterrâneo. Acreditam representar o casal, mãe e pai, mitocondrial da humanidade. Senão, por que estariam a vivenciar essas imagens oníricas estranhas, que os incriminava perante suas vivências? Sentem uma imensa solidão que os associa definitivamente ao próprio destino, como se ambos estivessem visceralmente ligados desde tempo muito antigo. Pré-histórico. Agora ela compreende uma infinidade de pontos de vista, como se não fossem antagônicos nem paradoxais. O pensamento maniqueísta é um anacronismo.

Ela é a outra, apesar dos horrores, e do abismo de tempo que as separa, com certo orgulho. São muitas as percepções aleatórias da mente, a se substituírem. Sente-se mais forte por se conhecer melhor. Aflora à consciência uma frase do Tao-Te-Ching de Lao Tsé: “Aquele que conhece os outros é sábio, aquele que conhece a si mesmo é vidente.”

Uma melancolia de muitas saudades, como se tivesse abandonado a si mesma no passado, persiste, antes de despertar de vez. Acha que o mundo mudou muito na aparência, desde então, mas que a essência da humanidade continua praticamente a mesma. A memória vai ficando mais recente.

Lembra da filha estudante num colégio pirata, desses que cobram uma mensalidade absurda em troca de um ensino de quinta categoria. Mesmo se fosse um ensino de qualidade, estaria diluído pela cultura antropofágica do culto à violência e à pornografia bregas, à música popular das duplas sertanejas de Jecas Tatus para os filhos das mães Joanas, mulheres de auditórios, batendo palmas de pé para apresentadoras de programas de receitas sofisticadas de cocô. Capitalistas camelôs fazendo das pessoas da sala de jantar, robôs, mercadorias do mercado de consumo globalizado pela imbecilização coletiva. Esse transe, no útero da Serra do Roncador, está lhes revelando suas partes de participação nessa cultura primitiva.

Se há neles cidadania, por que não a defendem ?

Rossi mantém a sensação de que as agressões primitivas foram substituídas pelas civilizadas do colarinho branco, agenciadas pelos malfeitores dos precatórios, pelos candidatos "frangogates", que usam gravatas italianas de mil dólares, sapatos de cromo alemão, pertencentes ao mesmo clube da União Nacional dos Lobisomens à "black-tie" das oligarquias centenárias dos poderes estabelecidos em Brasília. “Pra lamentares” eleitos pelos analfabetos, desempregados, sem-terras, sem-saúde, sem emprego, sem-teto, com uma vida repleta de precariedades primitivas. Proto-históricas. Exploradas covardemente.

Nenhum dos membros da Expedição Norton seria capaz de dizer quanto tempo ficou a mercê desse transe hipnótico que os fez sentir as realidades, pessoais e coletivas, tão profundamente. Hermann e Vassari, ao despertarem vêem, enquanto mercenários de guerra, grande e promissor futuro: em todos os lugares do mundo prolifera a presença de jovem tipo "skinheads", "hooligans", "supremacia branca", delinquentes adultos e juvenis, inúteens de todas as idades, esperando a oportunidade de ser engajados num conflito, num cartel do tráfico, numa torcida organizada, e darem vazão às tendências criminosas da atualidade. Tendências que nem sempre conseguem reprimir enquanto torcedores de times de futebol na Europa, na Ásia, no Pacaembu, no Maracanã, no Mineirão, no Morumbi, na Copa do Mundo (outra vez) na Alemanha.

Norton, “executivo de guerra”, não pode imaginar o mundo das relações internacionais sem seu “céu de brigadeiro”: coronéis e generais fomentando conflitos, ódios, revoltas e violência, gerenciando o tráfico de drogas e de armas. As forças armadas sempre dispostas a investir contra as classes populares que reivindicam um mínimo de condições sociais, para que suas famílias não sejam fábrica e celeiros de marginais.

A insensatez do mundo, para Norton, Vassari e Hermann, é a delícia da política do “Reich dos Mil Anos”. Sem ela, mercenários como eles não se criariam nas mordomias do complexo industrial militar.

Ao despertar gradativamente do torpor, Norton está meio que desnorteado, não sabe quanto tempo ficou sob a influência subconsciente da avalanche de imagens mentais simultâneas, de tempos e realidades paralelas que pareciam, para ele, encontrarem-se. Após desperto, ainda meio zonzo Norton parte para uma exploração pelos arredores do acampamento. Após caminhar uns 150 metros, ouviu um ruído de água corrente que poderia vir de um ou de muitos dos túneis situados a pouco mais de um metro e noventa centímetros abaixo do nível do solo onde se encontra.

Agacha-se e adentra num deles, motivado pela claridade azulada, dir-se-ia natural, do ambiente. O túnel afunila e une-se a passagens abertas no teto. Sobe numa delas e arrasta-se de gatinhas até outra via igualmente estreita, ao fim da qual, ao ficar de pé, verifica estar no fundo de um poço com nada menos de 30 a 35 metros de altura por cinco de diâmetro.

Há caminhos permitidos e os naturalmente proibidos. Pensa que a escolha de escalar e chegar ao topo desse poço pode ser uma experiência sem volta, fatal. Está aqui, a experimentar as sensações dessa aventura inusitada. Quanta vez esteve perto da morte, quantas vezes matou. Isto agora é diferente. Não sabe o que o espera e tudo o que lhe reserva esses pressentimentos, essa ansiedade, suavizada apenas pela possibilidade de prosseguir em direção a esse algures, satisfazer a necessidade de escalar sozinho esse topo. Conteve-se. Afinal é líder de sua própria Expedição: tem responsabilidades para com resultados.

Não está sozinho. Precisa voltar e convocar os outros para a continuidade da jornada através desses fossos, túneis, passagens estreitas, poços largos, correntezas e câmaras subterrâneas. Como se esse lugar fosse uma metáfora do inconsciente. Sentiu-se o Tamino da ópera de Mozart: a certeza de que penetrar no túnel, por vezes mais que escuro, tenebroso, da sabedoria, pode ser uma viagem sem volta. Pensou em Dédalo, engenheiro criador do labirinto de Creta.

Marca com spray fosforescente os meandros do caminho até o fundo do poço. Retorna ao acampamento. Todos, de comum acordo, estão a seguir o roteiro de Norton, apesar de outras direções terem sido sugeridas. Para onde quer que se dirijam o inusitado está à espreita, à espera, na moita. Todos os caminhos levam a Roma ou ao Coma, que importa? Enquanto arruma a mochila, Tauil toca o cotovelo no braço de Rossi, chamando a atenção para uma figura vestida de monge, com capuz, que do alto do platô os observa.

Ao perceber estar sendo visto, recua, saindo do campo de visão deles. Ao olhar para o alto, Rossi vê apenas a ponta de um capuz afastando-se. Ao olhar para os lados, notam que nenhum outro membro da expedição havia visto o “intruso”. Logo eles, que foram treinados para saber quando estão sendo observados, e sentir qualquer ruído ou movimento suspeito, por menor ou mais camuflado seja. Não viram nada.

Tauil e Rossi agem como se nada houvesse acontecido. E todos se dirigem, conduzidos por Norton, a ponto de escalada a partir do chão do poço, dispostos a conferir o que há no alto desse novo patamar. Precisam escalar a clarabóia. Rossi supõe que talvez não fossem mais senhores de suas vontades, e estivessem se dirigindo a um local predeterminado pelos acontecimentos anteriores.

Seguem Norton até o poço e preparam-se para a escalada até a borda superior, quando um som agudo, prolongado, uma sibilação sincrônica, os faz olhar para o alto: Uma comporta, em forma de cinco triângulos retângulos, está a se fechar sobre eles. A sonoridade lembra o assobiar acústico de uma grande serpente. O intermitente sibilar os faz levar as mãos aos ouvidos. Tauil olha para cima e vê os vértices triangulares se encontrando lentamente no alto da abertura superior, em forma de campânula, dessa formidável fortificação no feitio de fosso.

Hermann tenta uma meia-volta para sair, mas em lugar da abertura, encontra a superfície fria e fosca da parede circular a se fechar em volta deles, restringindo-lhes os movimentos, fazendo-os colidir. A parede circular lembra, cada vez que se fecha mais, o copo de um liquidificador gigante, sem as hélices rotativas, o interior de um tubo cilíndrico, com uma circunferência semelhante a esses condutores de esgotos que deságuam nas praias ou nas proximidades delas.

As mochilas com os equipamentos formam um amontoado de estorvos em torno deles. Tropeçam nelas, caem, levantam. A pergunta que se fazem é se serão esmagados, liquidificados, triturados, se a circunferência prosseguirá fechando-se, restringindo o espaço em volta deles. Agora, já estão ombro a ombro, e só lhes resta torcer pela coisa parar de pressioná-los. A luminosidade azulada continua igual. Estão a transpirar, apreensivos e tencionados. De repente sentem os corpos adentrados em sarcófagos de hibernação posicionados na vertical da parede, que aos poucos se adaptam ao tamanho de cada um deles.

A situação, agora cômoda, os faz sentirem-se protegidos. As cápsulas se ajustam ao tamanho de seus corpos. Nada nem ninguém podem ameaçá-los, nenhum mal alcançá-los. Presumem: nenhum malefício poderá atingi-los, tal a sensação de segurança.

Os sarcófagos deslizam primeiro para os lados, depois para o alto, na vertical, e logo depois ganham impulso horizontalmente. Não vêem, mas podem sentir pequenos focos luminosos que mudam de cor sobre seus rostos, como se estabelecendo alguma espécie de controle eletrônico, a manter cômoda e adequada, a parte interna de cada um dos cinco ataúdes.

Rossi lembra o significado grego da palavra "sarkophágos" pelo latim "sarcophagu": que come carne, que corrói as carnes. Estranho: a consciência esperta, em estado de vigília, como se todas as células do corpo jamais pudessem estar tão saudáveis, os sentidos demasiado harmonizados.

Não morreu esmagado, nem fora enterrado, ao contrário, nunca sentira-se melhor em toda a vida. O pânico substituído pelo bem-estar. Pode sentir e controlar o equilíbrio orgânico e suas inúmeras funções, como se tivesse o poder de dosar a composição química ideal de seus fluidos e tecidos. Perfeita, bendita homeostase.

Tauil nunca se sentiu melhor em toda a vida. Os sentidos gloriosamente alertas, mesmo depois do forte impacto, após o qual os "sarkophágos" deslizam, velozes, e se desprendem do nicho-plataforma de lançamento, impelidos de dentro da Serra do Roncador, à grande velocidade. Através do visor um pouco abaulado e transparente dos "sarkophágos", a paisagem amazônica distancia-se. A Serra afasta-se lá embaixo: a floresta, as aldeias, os fios fluviais dos rios principais e afluentes. O ataúde flutua em direção à aeropausa. Nem a velocidade de evasão faz com que se turvem os sentidos.

Tauil imagina que incrível seria poder permanecer para sempre nessa deliciosa imponderabilidade. Ouviu cosmonautas e astronautas afirmarem que a Terra é azul. Vai saber pelos outros o que isso significa. Somente estando aqui para saber que a Terra é azul, mesmo. Azul, blue, sensacional. A sensação inacreditável de estar em órbita, acompanhar a trajetória elipsoidal do planeta em seu movimento de translação ao redor do Sol. O olhar perplexo na cor viva da Terra. O dia surge. Na sutileza do amanhecer os primeiros raios solares urgem.

Pura beatitude. Sobrenatural sensação de transcendência e espiritualidade. A sublimação dos limites perceptivos dos seres humanos incapazes de se desprenderem da turbulência e da agressividade contida nas casas e apartamentos tumulares, nas metrônecrópoless onde pontificam a corrupção, o medo, os ressentimentos, os preconceitos, a agressividade e a violência, características de uma mídia doente. Da cultura político-econômica que teme mudanças, pelo medo de perder os excessos nababescos de suas mordomias. Vampiros dos excluídos da sociedade globalizada. Globalizada pela dominação.

A proximidade de uma imensa estrutura circular para a qual se dirigem os esquifes, faz com que se desprendam das deliciosas sensações dessa epifania. Dirigem a atenção admirada para fazerem-se perguntas pertinentes. Tauil: Por que estou sendo trazida para esta que parece ser, devido ao tamanho gigantesco, uma nave-mãe? Nunca soube responder-se: a origem dos UFOs é estelar, interdimensional, ou ambas ? Conseguirá uma resposta adequada para estas indagações?

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 23/04/2011
Reeditado em 12/12/2013
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