Baile com os deuses
Vejo um corpo passando. Ao longe, distante, invisível, só eu o vejo. Ele cruza o salão, ignorando a dança, a contradança, o maestro, a música e os convidados.
Vejo um corpo que passa como se por um sonho bobo, passa por um leve cochilo, ignorando as frases de efeito e os estribilhos. Ele ignora a mim, também.
Vejo um ritmo suave, um Deus-de-branco que desce a rua da indiferença mas exala ardor, num perfume que me toca e enlouquece. Observo os deuses vestidos com diferentes trajes reais e banais, confundidos com as fantasias. Há muito luxo, metais, ouro nas paredes, belas pinturas no teto, cortinas de seda. Vejo um espelho sem reflexos - seria o meu? - em uma parede de reboco, onde semideuses rabiscam palavras inúteis.
A música - ou seria o Muzak? - é quase inaudível aos homens, os convidados, etéreos, não pisam o chão. O ar é perfumado e a construção é de um mármore impossível. Cogito ser o Olimpo.
Provo todos os gostos que perfazem meu caminho até ele. Provo do vinho milenar, da ambrosia, das odisséias de mil anos, das conversas tolas e risadas gratuitas, vãos desejos e promessas vazias. Também provo da curiosidade sobre minha euforia. Contudo eu me calo: não daria a mais ninguém direitos sobre os meus desejos.
Eu o encontro do outro lado do mundo, milésimos de segundo (intermináveis!) depois. Vejo seu riso e suas marcas - já não é mais só um corpo! - e eu sinto frio e medo, calor e desgosto, mas meu corpo cede à sua confluência.
O meu toque de midas concede-lhe o perdão e esquece sua impassibilidade e franqueza, sua curiosidade e severidade. Os poetas e loucos abraçam-se e regozijam-se por minha conquista e felicidade. Qual delas?