[Amareluras: da Cor da Gasolina]

Velhos textos inéditos... ora, p'ra que contar tudo?!

Ah, deus, deus, ainda bem que cê num existe! Aquela criança-puta do larguinho veio falar comigo: "um programa, bem, é só trinta!" Reparei logo no desamparo da pouca idade: cabelos encaracolados, magricela, roupas fuleiras, barriguinha de fora, e uns olhos grandes, súplices... Esses olhos... num curto-circuito, sobe-me a lembrança: a putinha tem os ingênuos olhos castanhos claros da vaca, daquela imensa vaca mansa, cor de gasolina antes dos aditivos, é claro, quem é que não sabe; só por isso, ela ficou sendo a Gasolina!

Eu fazia uma troca com a vaca: dava uma laranja-lima, madurinha, madurinha pra ela me deixar puxar de volta o lençol que tinha arrancado da cerca de arame farpado e mascado tudinho, tudinho, ficavam de fora só as franjas, balançando.

A Maria esperando, com a bacia nas mãos, e eu mostrava a laranja pra a Gasolina, ela negaceava de princípio, mas depois, num guentava o cheiro da laranja-lima; deixava eu puxar o lençol de volta, mascadinho, mascadinho, com laivos de capim mascado junto, na ida pelo barrete, e passando para o folhoso e mais além, se deixasse. Nunca soube como um lençol tão grande ia parar, todinho, lá dentro da Gasolina!

Vaca mais doida, essa mascar um lençol assim... Nas tardes ensolaradas, sob a sombra das escassas copas das macaúbas magricelas na saída do curral, e depois, trocar o prazer da mascação por uma laranja!

[Sertão, sertão, nunca duvidei de uma história do sertão, venho de lá, tenho juízo ferrado nas coisas, estou nhambado na vida de tanto querer ir pelo certo, nas baixadas, eu sei que buriti bebe num quieto!]

Mais doido sou eu, que ao ver o olhar macio, infantil, dessa rameira mirim me ponho a lembrar da Gasolina! Eu, hein? Preconceito não tenho; já estou morto; mas cheiro de mulher misturado no ar da noite,

deixa o bicho macho assim, picado de desejo; e o que eu faço da minha mente lúbrica; esvazio, gasto onde? Com essa menina-puta, de olhos da mesma cor dos da Gasolina é que não!

Tenho lá culpa de fazer uma viagem dessas? Eu era p’ra estar vestido, cheiroso, e com cheiro de mulher nas mãos, no peito, nos braços, em vez disso, estou aqui, nesta noite besta, olhando o vazio — e pra me lembrar de quê? De quem?! Ara, cê besta, siô, da vaca Gasolina, mãe do bezerro da cara torta, o Guaraná! Tudo uma amarelura só; eu, a vaca Gasolina e o Guaraná, o bezerro foi assim denominado por causa da mãe, pois antes da crise, a gasolina era amarelinha, e valia nada, litros passavam correndo no visor da bomba, e no bar, o guaraná, amarelo, também era barato!

Mas, barato mesmo, quase nada, coitada, é a trepada com essa menina-puta, olhos da cor dos da Gasolina. Ah... a menina-puta do larguinho propõe-me uma troca: por trinta, aluga o corpo para uma trepada de descarrego; será que por uma ou duas dúzias de laranja-lima...

Tenho os mesmos olhos dessa menina-puta... Ah, e tivesse eu o jeito de cobrar, até que podia... bem que podia... Ei, eu também sou infeliz, eu também estou à venda — valho o quê, mais que trinta, menos que trinta? Valho quanto? Alguém, alguém quer pagar? Truco! Valho uma noite boa... E garanto: é só pagar pra ver!

[Haja Filosofia p’ra eu me cuidar, dois mil anos não bastam!]

[Penas do Desterro, 28 de março de 2007]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 20/04/2011
Código do texto: T2920681
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