[Escrevendo-te]
[Não te enganes... não te enganes tanto!]
Não — não te coloques integralmente em teus escritos — por que te entregares, assim, por que te desnudares ante olhos cúpidos ou insensíveis?! Pensa nas tramas sutis do eu-lírico; confunda, deixa os outros na incerteza! Será que te lêem, a ti, a tua biografia, ou lêem a tua já bem transada autoficção?
Confunda; cria confusão, mistura tuas vivências com estados de alma que ainda nem foram experimentados. Vamos, o poeta já te deu o mote: inventa a dor, chora a dor inventada, misturada à dor realmente sentida — confunda... confunda... confunda a todos! Queremos, preferimos a mentira, eu, tu... e os outros!
Chama a todos para uma dança cujos passos são lhes desconhecidos; cria mistérios... Insinuar é muito mais poderoso, mais venenoso que dizer diretamente! A linguagem direta perde a graça, fica colada à vida, e a vida é aborrecida, cruel, e termina por matar a gente... de tanto viver!
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Dizem que a vida não tem lógica, apenas acontece; e por isso, é sem graça — mas, a ficção sim, esta deve ter lógica. Ora concordo, ora não concordo com esta frase. Poesia não é ficção... é sensação!
[Penas do Desterro, 05 de fevereiro de 2007]