Arame Farpado

Há um misto de qualquer coisa ruim no que me faz grudar a boca no teu corpo de fumaça. Misto quente. Há um quê qualquer de guimba de cigarro que me deixa rouco de gritar teu nome nas esquinas em que me escondo de mim. Quê de clichê. E além disso (tudo), há um bocado de mágoa em alterar os métodos que te fizeram chegar até mim, para que te percas e não chegues e me percas e não chegues e lhe perca e não chegue, e nos percamos e não cheguemos e vos percais e não chegueis e lhes percam e não cheguem a lugar algum, nenhum. Nada. Não.

Continuando de onde parei, na última vez em que tu estiveras aqui, me lembro de ter te falado, que tu me falaras que alguém te falara que nós faláramos de tudo que podia ser falado. Onde, no final das contas correntes, nada fora falado. Lembro que, no momento em que eu falara que tu falaras que alguém falara que nós faláramos que vós faláreis que eles falaram, tu me calaste a boca com um beijo, e cuspiras todos teus verbos em minha garganta. Garganta esta que enchi de meus minúsculos pronomes, no momento em que tu engolias a mim e eu me esvaía em ti e o suor se esvaía de nós e o amor, quem sabe, passara, levado por uma lufada de abafados ventos.

Havia gotas de nós espalhadas pelos lençóis, sempre tão úmidos de mim.

E no tocante ao que vinha a seguir, toquei teu seio de papel picado e dormi, enlameado de teus versos grudando em meu ventre de rimas tão podres.

Tu acordaste com o sol batendo forte em teus cabelos meio vermelho-sangue, e havia um pouco de sangue em alguma veia em algum lugar perdido no meu peito.

Então eu me levantei, antes que tu te levantasses, antes que ele (um tal amor) nos pegasse para si e nos moesse, nos triturasse, nos amalgamasse e fugi.

Fugi como quem corre do sol, como quem corre do ar, como quem corre de mim, como quem corre de ti, como quem corre de si, como quem corre de nós, como quem corre de vós, como quem corre deles; como quem morre de medo.

Tropecei...

E caí de novo, em teus braços de arame farpado.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 20/04/2011
Código do texto: T2919618
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.