DOURO

A tarde ancorou na Ribeira. Porto anseio dos dias esculpidos no tempo. Já memória. As torres das igrejas se erguem num céu desprevenido. Silêncio de sinos, orações enlevadas... Com os nós desamarrados, deslizo no rio Douro suavemente. Sorrio o rio, leito horizonte, sou água, vinho, fonte... Embriagada com os despertar dos tintos secos portos, sou destino, abismo, reencontro...

Quantos sonhos já não foram colhidos e sorvidos nas taças do tempo? Quantos pensamentos não foram amarrados em novas faixas de vida para sobreviverem às estações frias? Quantos rios não convergem nos mares dos navegantes?

Interrogações flutuam reticentes, seguem o curso da água sem se abandonarem aos ancoradouros escondidos nas rugas da terra firme.

Percebo as sombras pontes atravessarem as carnes das margens num ir e vir autômato e sem gozo, enquanto permaneço curso, rio, leito, margens... Espelho dourado por um pôr-do-sol de outono.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 15/11/2006
Reeditado em 21/11/2006
Código do texto: T291752