[Asas Molhadas]
Velhos textos inéditos...
[É de manhã, eu olho e vejo...
O tempo pousa nas cumeeiras das casas]
Mal clareia o dia, e já luto para acender
a lenha molhada que ontem não recolhi;
a fumaça se espalha, ardem os meus olhos,
abro a janela e vejo a névoa sobre a cidade...
Em dias assim, chuvosos, frios, sem rumos,
a cidade se amornece em leitos preguiçosos;
o tempo é só latência; estaca-se na espera
de asas molhadas e entanguidas de frio.
Pousadas nas cumeeiras dos telhados das casas,
essas tristes aves ainda não podem voar,
esperam a quentura do sol que vai reanimar
as ruas da cidade — a do Comércio, a da Estação,
a do Matadouro, a da Saída, a da Saudade,
e até mesmo a comprida Rua do Cemitério,
pois, no teatro dessa vida besta,
o sol é o iluminador das mortes!
Quando o sol sair, aquelas asas voarão,
a lenha se acenderá e os meus olhos de criança
lacrimejaram à toa, por nada, pela vida que passa
e se perde na névoa fria da manhã invernosa!
[Penas do Desterro, 17 de fevereiro de 2006]