O homem e o poeta (2)
O homem:
Quem vê cara não vê coração.
O poeta:
Se a cólera que espuma a dor que mora
N’alma e destrói cada illusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através a máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez, existe
Cuja ventura única consiste,
Em parecer aos outros venturosa!
(Mal secreto de Raimundo Correia)