Objeto
Eu sequer sei o teu nome. Mas toda noite vejo tua face em meus sonhos. Às vezes beijo tua boca. Às vezes me grito, às vezes me dispo. Às vezes tu me abandonas, e eu fico paralisada por tua ausência pálida, que me enferruja e entristece. Eu o vejo beijar outra, o vejo revoltar-te contra mim por eu tê-la caluniado e eu o vejo partir, quebrando meu presente de vidro.
Já o violentei muitas vezes e acordo com o gosto terrível do desprezo que desprendes a mim. Fico possessa, possuída por um desejo que é só meu, intangível, inexplicável, imensurável. Inoxidável é esse sentimento que me consome. O pecado corrói minha carne infame, e os pesadelos abalam minha mente insone. O torpor pertence somente a mim.
Visito os fatos que me recordam a tua face. Visito os pensamentos que crio para fingir que o devoro. Resgato as lembranças de quanto tu fostes todo prazer e deleitação, quando o pecado não era um erro, mas um objetivo de nós dois. Nosso epicurismo nos gritava no peito e nos olhares - negros ou azuis, tanto faz! - e nos divertíamos com as expectativas. Só até uma presença castradora fazê-lo ocultar o desejo por trás de lentes não menos coloridas que o nosso preconizado êxtase.
Então agora também eu devo partir. Falsa ou eternamente, a partida preconizada é quase uma missão - obrigatoriedades do espírito. Então partamos, para um dia encontrarmo-nos em meio à solidão ou às multidões e, enfim, recebermos a bênção dionísica.