[O Poema que Não Escrevemos]

Tínhamos os elementos raros: o brilho de nossos olhares, o encanto da descoberta, a harmonia dos sentires, a perfeita conjugação dos desejos, o lançar-se de um no outro, a recompensa ao fim das viagens.

Porém havia mais... havia as mordidas de circunstâncias adversas,

e havia também a indecisão fatal...

E foi assim, alheia às nossas razões, e juntando todos esses elementos do discurso do nosso vasto amor, que a vida escreveu um longo poema com as nossas vidas! Ah, mas a vida é ironia? O que sei eu? Nada...

Sobre esse poema, concordemos: há tanta beleza nas palavras, nos versos, tanta força de expressão de sentimentos que mal cogitamos de procurar sentidos; pois, quando há excesso de beleza, que falta faz o sentido?

Mas há mais que beleza: há um calor que sobe alma acima... ou corpo adentro! Em nossos versos, pode-se vislumbrar, com toda a nitidez, a síntese de um desejo; isto devia nos bastar... talvez! Mas para que pedir mais?

Porém, o Nada, essa presença da angústia, habitava o bojo de nossas palavras...

Quando a gente escreve, ou fala, pouco importa o meio para a mensagem, simplesmente penso que não se quer dizer nada... Ou, se há alguma intenção, é coisa que vai ficar para sempre entre nós e nós mesmos; o que em nós é comunicável ao mundo?!

Se antes, havia tanta beleza, tanto amor que a busca de sentidos não era necessária, agora, pomos tudo a perder na insana busca de sentidos para o que, de saída, nunca reclamou sentido!

Estamos a ponto de desatar nossos caminhos, rompe-se já a trama de minha vida na tua! Por isso desistimos de ler esse poema [mas continuamos lendo]. Até que ponto andou a nossa ansiedade na luta para decifrar os fragmentos desse poema... Desse poema que não escrevemos, mas o destino o escreveu com as nossas vidas?

Torno a perguntar: a vida é ironia?

É perigoso falar por enigmas; o risco de colisão é grande. Tão grande quanto aquele dos abismos que se abrem subitamente aos nossos passos!

Ao que parece, nascemos não um para o outro — isto seria demais no nosso caso, tanto mar, e tanta montanha as nos separar! Mas talvez nos aproximemos na força da razão inversa das nossas diferenças!

Então, quem sabe? Quem sabe falemos baixinho, um ao ouvido do outro, e nos escutemos, por fim? Quem sabe o que sairia de nossas profundezas, de nossas matas escuras, de nossos cheiros...

Que mundos, que sonhos... Ou, que transformação alquímica de sonhos — os teus nos meus e os meus nos teus — formando uma quimera única? Quem sabe?

Descreio... desafio o ser desse amor... Esperança é a palavra que veio ainda agorinha, lambeu a minha fronte, acariciou com mágicos dedos os cachos dos meus cabelos, mas bateu asas para a vastidão dos espaços; voou para aquele cerrado cinza, coberto da prata da lua fria que ilumina o meu solitário trem de vida!

A vida é simples como uma coada de café pela manhã... Uma mescla do perfume das flores do campo e do aroma do café que desperta

os corpos ainda entorpecidos da noite que apenas deixou o mundo.

Eu quero respirar uma mescla assim; eu quero senti-la num quarto de três janelas, duas delas pelo menos, olhariam para as montanhas de Minas; a terceira até que poderia olhar para um mar distante... Um mar que, no entanto, nem está à vista!

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 07/04/2011
Reeditado em 07/04/2011
Código do texto: T2895683
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