O GALO DO VIZINHO

Evaldo da Veiga


Uma madrugada linda, de silêncio e paz.
 Um silêncio obsequioso... 
E assim, ouvia-se em cândida nitidez, em retrospecto mental, 
belos clássicos de todos os tempos.
Eram 03:h55mim, um pouco mais, quase que precisamente
 as 04;h, o Galo do vizinho cantaria, com o seu canto "doublé" intenso, despertador e por muitos, considerados um desafio inoportuno de um péssimo vizinho.
Estávamos em horário de verão, não fora, 
ele estaria cantando as 3:h, quando
 os outros galos da vizinhaça cantam as 05h.
 Esse canto antecipado já fora objeto de estudos e conjecturas. Uns achavam que o Galo Godofredo era mau caráter, queria era aporrinhar mesmo, outros achavam
 que o Galo Godofredo era um precursor de novos tempos de trabalho e realização; daí, acordar mais cedo.
Muitas curiosidades envolviam os fatos, uma porção.
 Por que os outros Galos, embora com o sinal de abertura do dia, dado pelo Godofredo, não cantavam mais cedo também, despertados por ele?
Mas aqui vamos saber de tudo rapidinho, 
não estamos em novela de TV.
Bem, necessário esclarecer que o Godofredo
 cantava de cima do telhado, ele foi treinando
 e buscando o seu jeito.
Em uma rampa que conduzia ao barreiro 
mais alto que o telhado, de lá o Godô (era tratado assim), 
dava um vôo de pirueta até o telhado e dali, 
o seu canto saia mais imponente; no fundo mesmo,
 era ele um debochado. Godô era um galo sem pedigree, 
sempre saindo na porrada, mas não era galo convencionalmente denominado como galo de briga.
 Brigava por esporte e um pouquinho também 
pelo temperamento de briga,
 de quem quer ver tudo nos conforme de suas concepções, independentemente de ganhar títulos e medalhas. 
Brigava por brigar, e amava muito.
Godô tinha um hábito terrível de ir fazer amor com as galinhas 
do quintal dos outros, e isso já tinha gerado muitos protestos
 e dissabores. Armandinho tinha uma criação de galo de briga,
 a melhor da região, galos lindos, castanhos, pareciam príncipes; tempos após, pintinhos multicores, assim como era o Godô, em sua cor de terceira classe.
A turma de seleção e discriminação ficava horrorizada,
 uns queriam ver o Godô na panela de pressão ensopado 
com batata e outros queriam vê-lo assim 
mais ou menos distante, lá no território do Iraque 
ou do Paquistão. 
Pobre Godofredo, um incompreendido. Se tivesse o destino conduzido pelos desejos dos inimigos, estava fudido...
Mas evitando alongamentos que isso tira o gostinho dos fatos, 
num determinado dia uma quadrilha feroz de ladrões de galinhas, elementos ligados ao PT, 
resolveram fazer uma limpa geral.

Fortemente armados com estilingues com elásticos
 de câmara de ar de tratores de 100 toneladas, 
aprontaram geral. E como toda vizinhança tinha 
criação de quintal, já haviam surrupiado,
 mais de mihões de aves, entre patos, gansos, marrecos
 e galinhas. Até Galo entrou na dança. Menos o Godô,
 que do telhado deu um vôo rasante e atacou a quadrilha, dando esporada e bicada nas orelhas, narizes, bochechas
 e nos lábios carnudos dos assaltantes.
Uai... uai... uuiii me tirem daqui. SOCOOOORRRROOOOOO gritavam os assaltantes. 
Godô não aliviou, permaneceu no ataque 
até que a polícia chegou pra dar proteção de vida aos assaltantes.
A noticia se espalhou, televisão em cima dos fatos,
 empresas multinacionais de ração querendo contratar o Godô como garoto propaganda, um mundo de acontecimentos.
 Em uma coletiva para os meios de comunicação, o Anjofrido, dono do Godofredo, falou humildemente: - é ... o Godofredo não admite corrupção...
- Foi interrompido por um repórter que cortou:
 - Mas isso é furto, roubo, não tem nada de corrupção. 
Furto ou roubo de galinhas... Com muito jeitinho, e humildade, Anjofrido buscou direcionar o recado: 
- é... , mas por enquanto o Godô pensa que isso 
é corrupção, coisa de políticos...
Em um piscar de olho Godô deu um vôo ao quintal do lado, tirou um fininho no muro e lá esperava ele um fila 
de galhinhas já de joelhos, na exata posição do carinho. 
Godô fez o que fazia sempre, comeu todo mundo.
E ai, a TV, público e patrocinadores, 
entenderam que o Godô não nasceu pra ser artista.
 Sim, fazer amor, 
como fez sempre, como faz todos os dias.

evaldo.veiga@gmail.com