Arrancaram a minha vida de mim.
Arrancaram a minha vida de mim.
Arrancaram a minha vida de mim. Brutalmente e sem nenhum aviso, nenhum sinal, para que eu pudesse me preparar.
Arrancaram a minha vida de mim. E ainda continuei vivo para presenciar tudo aquilo.
O choque foi tamanho, que separou a minha carne da alma. E eu estava ali em pé, observando, assombrado pela falta de respeito com um ser humano, que no caso, era eu próprio.
O corpo pálido ali, estirado no chão, dando as moscas.
E as pessoas que paravam para me olhar, sem nenhum respeito a minha privacidade, sem ao menos perguntar se estava me sentindo bem, sendo minuciosamente observado. Mas não pareciam notar minha presença, quando junto a eles, devorávamos a minha morte.
Arrancaram a minha vida de mim, e nem tempo eu tive para me despedir.
Sabe, quando se tem a vida arrancada, o dia se torna interessantemente mais silencioso e escuro. Triste...
Queria gritar, e falar que eu desejava o que era meu de volta. Ainda quero a minha vida novamente, mas não dá mais. Pois tomaram a minha vida de mim.
E antes do último impacto, o que se toma quando se nota que você não tem mais uma vida para si só, percebe-se na verdade, que a vida lhe é tirada gradativamente, suavemente desde o nascimento. Devagar, para não se notar.
Arrancaram a minha vida de mim, e só agora percebo que já é tarde, que a falta da minha vida já está enraizada profundamente no sistema, na comunidade, na vida cotidiana. É tarde para tentar reaver a minha vida de volta, pois já cumpro com meus deveres muito bem.
Arrancaram a minha vida de mim, quando me dizem como devo pensar, e falar. Como devo me vestir e agir. As modas as quais devo participar e a educação que devo compartilhar.
Arrancaram a minha vida de mim, quando os impostos que devo pagar para usar o meu próprio mundo são aumentados. Quando tenho que seguir critérios, normas e imposições. Ao parar quando vejo o sinal de trânsito, ao dinheiro que tenho que ganhar e gastar e até quando escovo meus dentes.
Arrancas a minha vida de mim, quando me olhas com repúdio ao matar e quando me olhas com alegria ao compartilhar.
Minha vida foi brutalmente arrancada de mim, quando tive que levantar com o som do despertador e ir trabalhar para me alimentar, quando jogo fora o lixo ou quando eu preciso ser pago por meus serviços.
Mas agora. tenho certeza que é tarde demais para reaver o que é meu por direito. Pois sei que já morri demais para a minha vida. E quando se morre muito, se aprende a viver assim, alienado.
2003