PALAVRAS: CORPO VIVO
Vivo sempre a corrigir o texto, para o desespero de meus editores e dos desavisados leitores.
Principalmente se for poema, é uma verdadeira insânia – uma condenação – esta desesperada busca da forma para tentar chegar à beleza estética. O que eles não sabem é que não sou eu que faço as correções, é aquele que mora em mim como um intruso.
Pensa por mim, debate-se na placenta dos signos, tenta conformar passado e presente. Impõe suas digitais para o futuro.
É mais um dos muitos loucos que andam por aí. Desses que não aceitam camisa-de-força nem tratamento psiquiátrico.
Tais portadores de sandices não falam, chegam ao plano da memória guturalmente. Balbuciam os sons desarticulados que lhe vêm à mente.
Minha tarefa é decodificar os signos. Sou, fundamentalmente, um ledor, como estas máquinas leitoras de códigos que existem nos supermercados. Informam ao usuário a tradução dos dados, o quanto custa... E o espírito sofre com este exercício.
O meu nome de batismo nem devia levar a culpa. Nem a eventual fama futura, quando eu me for desta margem.
Sou caracol e carapaça, somente lhes dou abrigo. Às vezes, sirvo de casa, às vezes, sou refém. E é muito bom, prazeroso, quando o corpo chega enlameado de amor.
Isto é, quando ele vem, em andrajos, roto de pele, de carteira vazia, espírito do bem.
– Do livro EU MENINO GRANDE, 2006 / 2008.
http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/287874