[A Semente Perdida]
A terra escura não mais me recebe,
não sente aquele toque das minhas mãos,
quando eu plantava, finalmente,
as tenras mudas de alface que eu,
ansiosamente, cultivara à parte.
O calor da terra, nas 3hs da tarde
mágica do meu quintal de sonhar,
não mais exala o cheiro de fecundidade,
esconde de mim promessas de vida;
o certo mesmo é que, depois de um tempo,
o meu esperma é lançado nas águas...
Desço à minha horta de hoje
e noto que as couves estão amareladas,
que o pé das folhas está seco, estiolado,
e que, sem colheita, estão aptas a apodrecer.
Tento consolar a terra — a mãe a que o filho
foi tirado, como sempre, antes do tempo.
E me pergunto qual tempo era o tempo,
o tempo certo em que eu deveria ter partido,
o tempo certo de cair do ramo onde cresci.
Finco os meus pés no monte de terra fria,
e adormeço sob a goiabeira em flor,
a mesma goiabeira que me viu crescer,
e não vai me ver morrer, pois eu voei,
voei do meu quintal... faz tempo!
Era melhor eu ter partido ainda de manhã,
na fresca da manhãzinha úmida,
feito quando eu via a poeira orvalhada
no caminho da serraria, lá dos altos da cidade...
Ou então, quando o capim molhado me encharcava
a calça comprida, quando eu ia lá no pasto
da cachoeira a buscar alguns cavalos
para as lidas do dia — eu não sabia,
pois ainda tinha a vida pela frente,
que todas as lidas da vida tinham
o destino final de serem perdidas...
Desço à minha horta de hoje, desço...
E não acho o que colher; é como se,
por azar ou sorte, eu nunca tivesse
plantado nada, uma vida inteira...
Quem, quem no mundo poderia
salvar-me de mim? Quem?
A semente perdida ficou caída
na poeira seca, sem abrigo de terra
em que possa germinar... Germinar,
para quê? Para só morrer, só?
[Penas do Desterro, 25 de março de 2011]